“É muito mais difícil encontrar um bom serviço do que propriamente boa comida” / Rui Petronilo
As contas, a seleção dos produtos, o todo de cada ingrediente, a escolha de cada elemento das equipas do hotel ou a seleção dos vinhos. Tudo é calculado ao pormenor no Verride Palácio Santa Catarina, que se prepara para abrir o The Lisbon Club 55 e tem Augusto Brumatti, como escanção. Eis a entrevista ao Director de Food & Beverage do hotel e ao chef Fábio Alves.
Rui Petronilo, que tem, no currículo, o Vila Vita Parc, no concelho de Lagoa, o LAB, no Penha Longa Resort, em Sintra, e o Sublime Comporta, em Grândola, assume, em Julho deste ano, a direcção de Food & Beverage (F&B) do Verride Palácio Santa Catarina. Fábio Alves é, desde 2019, chef de cozinha deste cinco estrelas localizado junto ao miradouro de Santa Catarina em Lisboa. Ambos desmistificam alguns dos chamados mitos urbanos, a juntar à reabertura do rooftop, a 1 de Agosto, também para não-hóspedes, para lhes mostrar quão bela é a cidade de Lisboa, de dia e de noite.
“É importante abrir as portas do hotel, para que as pessoas nos venham conhecer”, reforça Rui Petronilo, que, com a equipa do hotel, está a ultimar os preparativos para, a 19 de Outubro, abrir o novo gastrobar no piso térreo. Trata-se do The Lisbon Club 55, com abertura reservada para esta quinta-feira, dia 2 de novembro, com morada própria no outrora restaurante Criatura e partilhada com uma galeria de arte aberta a todos.
Qual a importância dos vinhos na restauração?
Rui Petronilo: Sou um grande suspeito, porque os vinhos são a minha grande paixão. Os vinhos têm uma grande importância a vários níveis. Para já, acho que, em Portugal, é algo muito cultural, o que faz todo o sentido, que esteja presente, com um impacto em dimensão nos restaurantes portugueses. Temos uma diversidade de produtos nesta área, portanto acho que justifica que trabalhemos essencialmente vinhos portugueses. Não excluímos naturalmente outras referências, para que tenhamos uma oferta diversificada. Os vinhos, ao nível da qualidade da refeição, acrescentam bastante à experiência no restaurante. Numa perspectiva do próprio estabelecimento, também são aquilo que mais potencial de receita pode trazer. A diversidade de preços numa carta de comida é limitada. Os pratos custam aquele preço e, em determinado restaurante, estão entre uma diversidade limitada de valores. O restaurante que vende os pratos principais entre os 25 e 35, 40 euros, não vai mexer naquele valor. Por isso, os vinhos podem fazer toda a diferença num ticket médio de um restaurante. Isto traz uma responsabilidade acrescida aos sommeliers, que têm vindo a tornar-se uma função muito importante e podem ter uma grande relevância no dia-a-dia de um restaurante.
Além de tornar o convívio à mesa mais agradável, o wine pairing dá a conhecer um leque maior de vinhos às pessoas.
Rui Petronilo: Sem dúvida. O wine pairing é o momento da refeição que acaba por trazer maior diversidade à mesa, a vários níveis. Dá-nos a conhecer referências novas. Tira-nos um bocadinho aquelas referências que estamos habituados a beber e, ao mesmo tempo, vêm valorizar a nossa experiência na refeição. Há várias tipologias de bebida que podem acompanhar uma refeição. Portanto, já não é um wine pairing puro e duro. Existe outro tipo de bebidas que podem ser servidas, como as cervejas, os cocktails, os espirituosos. Os pairings são muito mais do que estamos a beber e a saborear. São ligações que têm a ver com conexões, que são inconscientes nossas. Parecem irrelevantes, mas, quanto a mim, tinha sempre muito em conta a escolha dos vinhos. Tinha sempre muita atenção à cor do vinho, a conexão da cor do vinho com os elementos que estão no prato, porque acho que pode ter impacto. Antes de começarmos a comer, já estamos a olhar para o que está na mesa. Pelo menos, esteticamente faz sentido.
Que tipo de vinhos optam por estarem aqui? Há os mais convencionais e os menos conhecidos.
Rui Petronilo: Neste tipo de restaurantes, tenta-se fugir um bocadinho daquilo que é de fácil acesso, se bem que se houver um vinho que é convencional, mas que acho que faz sentido ter aqui, não devemos ter receio em colocá-lo. Associamos, muitas vezes, um produto que é muito comercial ou tem uma grande exposição a algo que não é muito interessante, porque é muito standardizado, mas, mesmo assim, encontramos produtos de muita qualidade. Acho que não devemos descredibilizar o produto só porque vende muito e está à venda em muitos sítios. Na verdade, há produtos muito bem feitos e que são assim. Se pensarmos globalmente, mesmo aqui ao nosso lado temos os espanhóis, que são um belo exemplo disso. Uma quantidade pequena para nós são menos de cinco mil garrafas por ano. Uma pequena quantidade para eles são menos de 50 mil garrafas por ano. A quantidade não tem obrigatoriamente que condicionar a qualidade. É um bocadinho difícil, mas é possível. Acho que, em Portugal, estamos um bocadinho presos a esse preconceito.
De que forma é calculado o food cost num restaurante?
Rui Petronilo: A definição de food cost é o custo da venda, no sentido do custo do produto. Não contabiliza o gás, o da electricidade. É o custo intrínseco do produto, o que é colocado no prato. Há-de haver uma linha condutora que a empresa define, um percentual, que é uma directriz da empresa e o chef, com a ajuda do Director de F&B tem de se fazer guiar por essa linha. Tem sempre a ver com o tipo de restaurante de que estamos a falar. Num restaurante como este, tem a de haver compreensão da parte da empresa para com o chef e a utilização de produtos de topo e uma consciência entre as três partes envolvidas – o Director de F&B, a cozinha e as directrizes da organização –, para chegarmos a meio termo. O food cost mede-se em percentagem, mas a percentagem, às vezes, não quer dizer muito. Por exemplo, fazemos o budget do ano e decidimos um beverage cost de 25 por cento. Imagine que definimos um milhão de euros, com um beverage cost de 25 por cento. Neste caso, estamos a dizer que vamos tirar, no final do ano, com 750 mil euros de margem e um food cost de 40 por cento, temos é de vender mais do que um milhão de euros. Um caviar nunca vai ter uma margem tão grande como um frango assado à Guia, por exemplo, mas em valor é maior. Em relação ao food cost e ao beverage cost, tem de haver um equilíbrio entre o que é percentual e a margem, o valor que aquele produto está a gerar.
Que argumentos utiliza para que seja comprada a matéria-prima que quer para as suas criações? Há extravagâncias?
Fábio Alves: No ano passado e no final deste ano, o Suba vai ser auto-sustentável, o que me dá bastante gozo. Não estamos aqui para “assaltar” o cliente. Temos preços justos, mas se trago produto caro e produto muito bom, tem de ser subentendido que também tem de ser pago. Faço os cálculos, tento fazer o menos desperdício possível. Quando comecei na cozinha, a sustentabilidade era a poupança. Hoje, não desperdiçar o produto é sustentabilidade, o que conseguimos fazer, porque acabamos a semana com as arcas vazias, não porque deitamos fora alimentos, mas sim porque conseguimos aproveitar tudo!
Acaba por utilizar tudo o que pode de uma peça.
Fábio Alves: Consigo. Lombo maturado, por exemplo, é utilizado no Suba, mas utilizo outras partes para fazer os hambúrgueres do bar, no rooftop. Ou seja, de uma peça, uma parte vem para aqui; a outra vai para o serviço de snacks do bar. Quando comecei na cozinha, tinha um chef que dizia “nós não ganhamos por aquilo que vendemos ou por aquilo que deitamos para o lixo”. Tenho de ter a noção que tenho 17 pessoas na cozinha e que sou responsável por eles, no final do mês, ganharem o seu salário. Agora estamos num nível de preço alto, mas é justo.
Quais os requisitos a ter em conta na escolha dos produtos e, claro, o tipo de público que vem ao Suba?
Rui Petronilo: Tem a ver com qualidade e a identidade da cozinha do chef. O nosso chef é transmontano. Valoriza muito as suas raízes e tenta colocá-las ao máximo na cozinha dele. Mesmo os produtos que não são transmontanos, há sempre intensidade e sabor, e isso caracteriza a cozinha do chef. Quando escolhe os produtos, tem em conta esse ADN, mas também a qualidade.
Em relação à proveniência dos produtos, qual o perímetro em que se encaixam os produtores, aos quais vão buscar a matéria-prima para a cozinha do restaurante?
Rui Petronilo: No caso do chef, não sei precisar qual a distância até Trás-os-Montes, como o cabrito de leite, que dá um prato muito interessante. O chef compra os cabritos que são criados de forma completamente natural por um produtor local da terra do chef, o que, por vezes, nos gera uma inconsistência do produto, mas faz parte. São produtores muito tradicionais e que nos obriga a esperar pela Natureza. Mas não temos apenas este tipo de produto.
A influência transmontana está presente de um modo subtil no alinhamento dos menus e da ementa do Suba. Foi sorte?
Fábio Alves: Tive sorte, talvez por isso já cá estou há algum tempo. Foram coisas que fui experimentando e percebendo até onde conseguia ir. A aceitação por parte do cliente deu-me liberdade para continuar o meu trabalho. Claro que o objectivo não é ter um restaurante de cozinha transmontana com vista para o Rio Tejo. Traz a base da cozinha transmontana, de sabores intensos.
Como é que um restaurante de luxo tem abertura para uma cozinha de sabores mais intensos, como a do chef Fábio Alves?
Rui Petronilo: Isso é um grande desafio e um bocadinho fora dos padrões que se valorizam hoje em dia. Mas sendo isso um ADN do chef, mas se não fizermos isso, vamos cair um bocadinho no que já se faz. O chef tem uma enorme preocupação em relação ao tipo de produtos que utiliza, mas o chef tenta não utilizar produtos que se vê muito hoje em dia. Quando vamos a um restaurante de topo, há sempre carabineiro, por exemplo. É um produto incrível, mas sentimos que iríamos fazer o que os outros fazem.
A carne marca presença constante na ementa e nos menus do chef por alguma razão especial?
Fábio Alves: Gosto muito de trabalhar com a carne e de brincar com “terra-mar”. Não é um clássico português, mas já é comum. Começo alguns menus com carne – não todos – e, na maioria dos pratos, tento fazer uma fusão entre carne e peixe, ou marisco, digamos assim. Grande parte dos menus que faço, à excepção dos menus do Suba, há um com carne e marisco, há outro que começa com peixe e outro que começa com marisco, para tentar agradar a todos. Apesar de estarmos em Outubro com este tempo de Verão, os pratos vão continuar a ser mais peixe.
Vão mudar os menus?
Fábio Alves: Sim. Vamos deixar o pato e vamos passar para o pombo, quase uma recriação de uma canja de pombo. O salmonete será trocado por uma espécie de arroz de peixe, mas mais intenso. O cachaço e o coco irão manter-se. Numa próxima carta, vamos ter dois menus fixos e dois menus variáveis, mas nos tornarmos ainda mais consistentes.
Quais os critérios a ter em conta nas pessoas que trabalham na sala do restaurante, as quais são, no fundo, o rosto do Suba?
Rui Petronilo: Acho que é um dos maiores desafios que enfrentamos hoje, que é a falta de profissionalização neste tipo de função. O que temos sempre em grande consideração é a parte comportamental. Na verdade, hoje em dia é tão ou mais importante a parte comportamental como a parte técnica. A parte técnica facilmente se aprende, se houver um elemento mais sénior na equipa. A parte comportamental já tem a ver com a formação de base, a educação, a forma de estar, requisito obrigatório neste segmento, que não é tão fácil de ensinar. Ou já se tem, ou dificilmente conseguimos adaptar alguém, nem é nossa intenção querer manipular a educação de alguém. Queremos pessoas que se enquadrem na nossa linha. Para além de ser difícil, não é eticamente correcto. Preocupamo-nos mesmo com cada pessoa que fica na nossa equipa. É muito mais difícil encontrar um bom serviço do que propriamente boa comida.
A mesma exigência é direcionada para os escanções.
Rui Petronilo: Felizmente, estamos numa época em que a função de chef se desenvolveu bastante, mas o mesmo não aconteceu com as funções que estão ligadas à sala. Com os sommeliers acontece o mesmo. Tive a sorte de ter começado num sítio com uma grande escola para sommeliers, o Vila Vita [Parc], que já tinha quase dez sommeliers. Hoje tem 15! Para mim, um sommelier tem de ser um empregado de mesa de primeira ou um bartender de primeira, mas a base do serviço é primordial. A pressa que há para que surjam e cresçam sommeliers é grande! Acho isso inviável e insustentável. Cria deficiência no serviço, porque têm muito conhecimento técnico, que é que o cliente percebe e valoriza menos e, ao mesmo tempo, deixam transparecer um défice na experiência inerente ao serviço, porque não percebe a dinâmica do restaurante, nem o esforço a ter em relação à função e aos horários. Ou seja, um sommelier tem de ter uma base de conhecimento de restauração, para garantir um bom serviço.