Certeza do Impossível / Zaha Hadid

Sento-me. Concentro-me. Penso nas primitivas ocultas que me ajudam a calcular áreas conceptuais ou não, penso nos logaritmos que tantas vezes cruzaram os meus papéis. Penso nos vetores que me indicam direções, nas coordenadas que me situam no espaço, penso nas formas que sonho desenhar e no x, y e z que me dão o real. Após esta mão na consciência, vejo o percurso de Zaha Hadid como algo natural ou lógico.

MAXXI / Roma / Itália / 1998-2009. Fotografia Iwan Baan.

Começa por ingressar no curso de matemática e depois, e só depois, ruma para arquitetura. A segurança da geometria analítica, aquela que Descartes nos ensina, que permite a manipulação de equações para criar planos complexos, aquela que percorre os projetos de Zaha Hadid e que quase não nos lembramos que tem de existir, tornou-se inata. Existe, coexiste, é essência sem se ver. É esta a primeira leitura ao trabalho sui generis da arquiteta natural de Bagdad; a primeira dedução que retiro da leitura do seu percurso, do olhar atento ao trabalhar da forma impossível, dos planos torsos, das curvas que levitam de forma natural, sem esforço.

Galaxy Soho / Pequim / China / 2008-2012. Fotografia Iwan Baan.

Na paisagem, quase sempre urbana, ela cria dinâmicas revolucionárias, contrastantes, audazes e, simultaneamente, fluidas, permeáveis, leves, que nos fazem questionar a razão da ortogonalidade, que são o desafio a Newton no jogo de planos paralelos, oblíquos, de frente ou de nível. Cria uma arquitetura tantas vezes apelidada de futurista, mas será que se pode ser futurista se se existir desde ontem e hoje? Ao seu percurso de obra feita, vou chamar-lhe avant-garde com adjetivação futurista. Seja ele construído, conceptual, arquitetónico, urbanístico ou no design, ou ainda como sapiente lente da arte de projetar; numa mão cheia de talento, resultado da contínua experimentação de tecnologias de ponta e… Dou um passo atrás. Vou chamar-lhe avant-garde com ideias de futuro visionárias.

Galaxy Soho / Pequim / China / 2008-2012. Fotografia Iwan Baan.

 

Uma arquitetura que é uma constante Odisseia no Espaço.

Conhecendo os seus projetos, pela insaciabilidade que o mundo da arquitetura exerce em mim, tenho mão consciente e não caio na tentação de os descrever um a um, de me perder em palavras caras ousando analisar as suas obras mais significativas. Tenho antes de encontrar um máximo, ou mínimo, denominador comum e nele me focar e “na paisagem, quase sempre urbana, ela cria dinâmicas… fluidas…”. Pelo mundo tem projetos que rasgam a paisagem, procurando na geografia dos rios e dos terrenos linhas que lhe conduzam o traço, que orientem e justifiquem volumes, na malha das cidades vê pontos de fuga, nos perfis agarra planos orientadores e na história sustenta um complemento para o seu futuro. Desenvolve projetos com uma complexidade estrutural, formal e estética, sem par. Delineia projetos que começaram a respirar em 1993 no corpo de bombeiros Vitra, na Alemanha, com um simples plano aguçado, que se tornou a denúncia de algo futuro. Foi como uma primeira edição da gramática Hadid que, em 2004, viu a sua genealidade reconhecida com mais alto prémio da arquitetura recebendo o primeiro Pritzker entregue a uma mulher…

Gangzhou Opera House / Gangzhou / China / 2003-2010. Fotografia Iwan Baan.

Gangzhou Opera House / Gangzhou / China / 2003-2010. Fotografia Christian Richters.

Entre tantos outros reconhecimentos. Sinto, em Zaha Hadid, uma quase certeza do impossível ser possível. Do desafio nunca recusado ou temido, e do impossível desafiado. Miro o reflexo de uma obra pautada no equilíbrio entre o construído e o conceptual, com nome lapidar no universo arquitetónico. Vejo um modo de vida, um estado natural de um mundo cartesiano e… agito tudo. Vejo na arquitetura a ciência das artes, num jogo intenso de números, fórmulas e geometrias que, tantas vezes, atingem no meu olhar o grau superior de obra de arte. Tomo consciência vaga daquilo que raramente me lembro, que a matemática vive em cada traço desenhado da arquitetura, em cada plano projetado. Porque aquele segmento de reta que se traça é a distância mais curta entre dois pontos, num mesmo plano. •

© Fotografia de Zaha Hadid: Steve Double.
+ www.zaha-hadid.com

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