La casa, el búnker, la ruina / Daniel Silvo

Esteve patente entre 31 de Outubro e 29 de Novembro na sede do CAPC, em Coimbra, na Rua Castro Matoso. Sim, já acabou, mas deixou uma memória indelével: Daniel Silvo e La casa, el búnker, la ruina.

Búnker A

Integrada no Anozero – Bienal de Arte Contemporânea, decorrida em Coimbra, e numa parceria com a Mostra Espanha 2015, esteve patente a exposição colectiva denominada Energia Psíquica, que juntou três artistas espanhóis com vídeo-instalação. Destacamos, neste contexto, o vídeo de Daniel Silvo, intitulado precisamente La casa, el búnker, la ruina.

O pretexto é significativo. Uma calamidade, na forma de explosão nuclear, ameaça aquilo que podemos pensar ser o mundo. Na casa fala-se em inglês, no bunker em espanhol e, no que virá a ser a ruína, novamente espanhol, se bem que o tipo de humanidade possa aqui divergir. Este é o palco de um drama que convoca o sentido da arte, e concretamente da contemporânea. Assim, durante 31 minutos decidem-se os seus destinos, divididos em três actos.
Na casa, um apartamento derivado do projecto moderno minimal, são feitas todas as diligências para que se consiga a protecção que uma arquitectura irmanada com o exterior, ecrã impressivo do naturalismo circundante, não permite. Na sua fórmula “menos é mais”, a casa resta endividada para fazer face a uma catástrofe como aquela que se aproxima. Onde estamos? Num paradigma; o lugar é incerto.

Búnker B

Em outro ponto igualmente difícil de determinar, alguém recolhe do seu apartamento todas as obras de arte em que investiu, para descer à segurança de um bunker. Neste, perante o estado de doença de uma das pessoas, afigura-se necessário obter calor, o que se sugere a partir do foguear das obras de arte. A senhora a quem pertencem é portanto colocada perante o dilema: são resultado de dedicação, são valiosas e exigiram grande investimento financeiro! Como destruí-las assim? No entanto, é precisamente o seu marido que precisa de calor, pelo que acede. Todavia, antes da destruição, entende dever ser deixado um rastro da sua importância, pelo que desafia-se, e ainda a empregada, a desenharem na parede do bunker tais obras de arte. Para memória futura.

E lembrar-nos-íamos, aqui, daquela rapariga grega que desenhou na parede os contornos do amado, enquanto este permanecia ausente, para que dele tivesse exactamente a presença na ausência. E depois da rapariga grega, alguém conhecerá como ela o seu amado? Parece ser esta a pergunta colocada por Daniel Silvo, já que na ruína, terceiro acto deste vídeo, e quando restam nessa parede longínqua os desenhos das obras de arte contemporânea anteriormente projectados, a história que sobre eles se conta difere de uma grande narrativa global. A antecipar as ruínas, enquadra-se uma paisagem florestal com uma estrada de permeio, a denotar relativa aridez. Da ruína acercam-se uma menina e um menino, pequenos, que entreabrem um portão e vêem uns desenhos na parede – os vestígios do passado. Um quanto amedrontados, acabam por chamar o avô, a quem pedem que lhes explique aqueles desenhos. Então, começa uma narrativa fabulosa, que em nada se referencia na contemporaneidade, para melhor ser embebida no contexto preciso dos lugares culturais do avô.

Jenny Holzer, 2014. Esmalte sintético sobre pele de víbora. 70 x 40 cm

Já André Leroi-Gourhan nos faz notar que será muito complexo acedermos ao sentido intacto das pinturas e desenhos rupestres, e delas partirmos, por exemplo, para a enunciação de quadros de vida. Interroga-se: e se, para a posteridade, de nós, hoje, restasse apenas a arte contemporânea? Como interpretar, por exemplo, a nudez? Concluir que não nos vestíamos? Daniel Silvo parece desafiar-nos a colocar essa questão e relembrar que, apesar das paralisias, o sentido é essencial. Resta a verdade e saber para onde nos leva a estrada a perder de vista em que culminam os 31 minutos.

+ Anozero
+ Daniel Silvo

© Imagem de entrada: Búnker. Fotografía a cores sobre papel RC. 40 x 60 cm. 2014

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