Entre acordes de afinadas guitarras há um dedilhar que há muito se afirma no panorama musical português. O nome poderá levantar-lhe o sobrolho, à primeira, mas numa fração de segundo, o sobrolho desliza à posição inicial e o sorriso esboça-se. Ou o inverso. Ou tudo junto. Ou nada, absolutamente nada, disto. Roubemos, entre notas tocadas, um instante a Filho da Mãe.
Rui Carvalho é Filho da Mãe, um músico de mão cheia que faz de uma guitarra um prolongamento do seu ser, que carrega nos seus dedos uma caixa de velocidades que controla com a ligeireza de um respirar e vive, cremos, numa “Terra Feita” de cordas. Na palma da mão, “Sem Demónios” traz gravados “Palácio” (2011), “7” Split” (com Linda Martini, 2012), “Cabeça” (2013), “Tormenta” (com Ricardo Martins, 2015 – projeto in making), carrega palcos bem divididos com músicos como o exquisite Tó Trips (Dead Combo) e tanto mais que lhe dá uma segurança sentida, a expiração-inspiração certa, a cada novo fôlego, de cada nova nota tocada. Mais do que nos perdermos em latim desnecessário, que se faça ouvir o instante em que lhe roubámos o olhar, debruçado nas cordas, para saber quem é Rui Carvalho que diz “Não sei desenhar barcos” atrás das notas de umas guitarras.
Rui, Filho da Mãe porquê? Sem vírgulas antes do “porquê”, obviamente e com todo o respeito.
É um nome somente. Na verdade, não tem grande explicação. Agrada-me a reação das pessoas ao nome; às vezes farta-me… depende.
De onde vem este filho de uma mãe antes de chegar à música? De que “Palácio” vens tu com essa “Cabeça” cheia de música e alguma “Tormenta”?
Estou na música desde que me lembro, embora, talvez, de um modo diferente agora. Tive vontade de assumir que ia só fazer isto até conseguir e/ou ser possível. Disse para mim um dia que nunca queria “fazer música” da vida… Estava enganado, afinal quero.
É o velho “nunca digas desta água não beberei”…
Clássico, Blues, Rock (a tua origem, creio)… um dedilhar que viaja, seguro e leve, e em tantos momentos com uma velocidade arrepiante, por vários estilos. Qual é o porto (mais) seguro? Qual seria a (maior) tormenta?
Fazer barulho é um porto seguro. Segurar a guitarra clássica no colo, também. Varia. Ando sempre à procura de desconforto, pelos vistos. Tormenta é não ter som no palco.
Permite-me acrescentar, tormenta é um mundo criado sem som, sem música.
Nem sempre sozinho, nem sempre acompanhado. Ricardo Martins e bateria. “Tormenta”, desde 2014. No rodapé: acústico, africano, clássica, guitarra, confusão, experimental, ruído, rock, tuareg, Lisboa. Influências que vão querer que sejam sentidas ou a tal “cola” que usam para criarem o tal “indefinido à partida”?
A cola é a vontade que temos de tocar e o à vontade com que o fazemos, numa sala de ensaio ou palco. O resto são coisas que se vão procurando. Às vezes, só por mania. Outras, porque faz sentido ou porque não faz sentido nenhum. Já mudou de forma algumas vezes e pensamos que vai mudar mais, no futuro.
O que é o indefinido para que não seja lido, por quem vos ouve, como um “nem sei o que estamos a fazer”? Ou será melhor falar de improviso?
Talvez porque não seja bom a definir as coisas da música em gêneros, quando faço parte dela. Improviso sem dúvida, mas o caminho que se quer é indefinido. Podemos estar perdidos e saber perfeitamente o que estamos a fazer. São muitos concertos, de cada um de nós, juntos ou separados, sabemos sempre o que estamos a fazer, num palco.
Ainda nesta tua nova viagem, a dois, a “Tormenta” ainda será parte daquelas vozes que habitam na “Cabeça”? O que está na origem do nome… o que (a)tormenta as cordas e a bateria?
És forte com trocadilhos! É só o nome de uma música que achamos que visitava tantos sítios… Como se fosse um barco perdido numa tempestade e depois um camelo perdido numa tempestade e depois outra coisa qualquer, mas acaba tudo bem.
A bonança no final.
Em “Cabeça” foste mais emoção que razão, numa evolução da tua estreia “Palácio”. Não será a musica, a tua que tantas vezes tocas e respiras sozinho, sempre mais emoção que razão?
Não sei bem o que diferencia uma de outra se quiser ser exigente na resposta. Mas acho que se procuram essencialmente emoções quando se ouve música… Acho que procuro essencialmente emoções quando também toco. Mas a razão faz parte de tudo.
Nas tuas palavras, como sentes a mudança de “Palácio” para a tua “Cabeça” e agora na “Tormenta”? Quem és tu em cada um dos passos?
Sou sempre a mesma pessoa. Sempre. Por mais que não queira.
Uma guitarra. Qual a que levarias contigo se nada mais pudesses carregar?
A guitarra que pudesse carregar. Se tivesse várias que pudesse carregar… A que tivesse as cordas todas. Se tivessem todas, as cordas todas, a que fosse melhor. Se fossem todas igualmente boas… Tirava uma ao calhas.
Resposta perfeita!
Jogando com as palavras, por bem e a bem, a quem chamarias “Filho da Mãe”, num sentido desabafo de inveja salutar, pela superlativa qualidade interpretativa, no universo musical português?
Não sou feliz a hierarquizar coisas destas. Há uns incríveis que conheço outros incríveis que não conheço. Conhecer ou não conhecer faz parte de gostar. Às vezes, gostamos mais porque não conhecemos pessoalmente e por isso num certo sentido é mais “nosso” do que se conhecêssemos a pessoa por trás da música. Outras vezes é exatamente ao contrário. Não há ninguém que salte por cima de toda a gente porque há muita gente atrás e à frente que nunca ouvi tocar. Seja como for nunca chamaria “filho da mãe” ao Carlos Paredes, por exemplo, não creio que fosse gostar.
Qual é o teu motto na vida e na música? O mesmo para as duas ou diferente… Ou nenhum.
Não tenho motto na vida e portanto não o tenho na música. Se escrevesse aqui, alguma coisa, seria em improviso.
Uma palavra para a Inês Magalhães e MagaSessions?
A Casa Independente, onde vai decorrer o Magafest, é quase uma espécie casa para mim. Fico feliz pelo bom trabalho a montar este festival e pelo amor com que é feito. Acho que as duas casas se misturam bem.
Um músico que tem de descobrir, ouvir e reouvir. Se nunca o viu ao vivo, no próximo sábado, dia 05 de setembro, ele vai estar na MAGAFEST, pela mão da Inês Magalhães.
Bons sons nacionais! •
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© Fotografia: Leonor Fonseca.
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