Ao virar da esquina, novo Ciclo Murmürando. Em jeito de questionário “à la Proust”, criámos, para os concertos que integram este segundo ciclo, um questionário em torno da palavra “murmúrio”. Que se inicie o sussurrar…
Na estreia deste questionário está a primeira voz a subir ao palco, amanhã: Erica Buettner. Norte-americana, de New England, aos 19 anos muda-se para a Europa, Paris, e entre voltas e mais voltas e tempos corridos, há cinco anos mudou-se para Lisboa. Do seu trabalho mais recente, “True Love & Water” (UK, 2013) foi muito bem recebido pela imprensa europeia. Cada concerto de Erica é um desfilar de canções que nos encantam, com um som folk dos anos 1960, oriundo da vila de Greenwich e a música boémia portuguesa – sonoridades sentidas na composição de Erica e que são parte da sua inspiração. Sem mais demoras, o murmurar com Erica Buettner, em dois cenários imaginários.
Comecemos com Erica no palco.
Definição por extenso de murmúrio, para Erica Buettner?
Hmmm… Creio que um murmúrio tem dois lados que o definem: ou é suave, no volume, ou indistinto. Aqueles de nós que vivem num lugar onde uma outra língua, que não a materna, é falada, estão bem familiarizados com o murmúrio indistinto do dia-a-dia. Um amigo descreveu, certa vez, que era como viver dentro de uma bolha, bonita, que rebentou quando ele regressou a casa e onde conseguia, de repente, entender todas essas vozes periféricas. Às vezes, é bom não entendermos tudo. O murmúrio de uma cidade movimentada pode ser um conforto.
A quem murmurarias, em exclusivo, uma música?
Sou demasiado irritante para fazer do meu próprio “murmúrio” algo exclusivo. Nesse ponto, sou culpada de alguma hiper-atividade. A partir do momento em que pudesse falar, estaria a cantar, a rimar, a memorizar histórias para recitar no carro, a criar músicas bem humoradas e suas personagens. Porém, se tivesse de escolher, escolheria o meu marido Carlo, sem dúvida!
“…murmúrio tem dois lados que o definem: ou é suave, no volume, ou indistinto. (…). Às vezes, é bom não entendermos tudo. O murmúrio de uma cidade movimentada pode ser um conforto.”
Que mais te inspira no processo criativo?
Costumava pensar que a inspiração era mais misteriosa. Agora, vejo como uma parte inerente ao trabalho árduo em algo, por um longo período de tempo. À medida que os anos passam, sinto-me mais atraída pelos meandros da prática. A força por trás da graciosidade.
A quem cantarias, ao ouvido, uma música inacabada?
Não é fácil, para mim, compartilhar músicas em que estive a trabalhar e que ainda não terminei. Quando uma música não está a evoluir, costumo mudar a minha abordagem, mantendo o que mais gosto – por vezes uma frase, noutras uma progressão nos acordes e mudo o resto. O Carlo é o único que já ouviu músicas minhas em construção e, algumas vezes, é surpreendido quando mudo uma a que ele acabou por se ligar. Ele chama às versões antigas “canções fantasma” e, em momentos vários, consigo ouvi-lo a cantá-las pela casa. Ele mantém-as vivas!
Salas grandes. Espaços íntimos. Onde é a tua música mais ela própria?
Ambos são “ok”, se o espaço em questão oferecer as condições ideais para se criar a ligação com o público. Mas tendencialmente preferiro pequenas salas escuras, com uma iluminação quente.
A quem rumorejarias o nome de um próximo álbum?
(Risos). Esta pergunta faz-me rir porque ainda não dei nome ao meu próximo álbum e está a tornar-se uma saga. Está quase tudo terminado, exceto isso! Portanto, a resposta é ninguém, ainda, e quando finalmente decidir por um nome… não existirá tempo de sobra para criar suspense.
Que se troquem os papéis. Erica na plateia.
O silêncio é, tantas vezes, a melhor nota tocada. Que silêncio te tocou mais?
Creio que o melhor silêncio ocorre quando alguém está confortável e descontraído com o outro. Assim, um bom concerto terá também essa sensação de conforto, partilhada entre os artistas e o público. O silêncio é, principalmente, o criar contrastes. O silêncio pode melhorar, praticamente, qualquer emoção. Esta pergunta faz-me pensar, especialmente, na comédia. Um bom comediante sabe como usar o silêncio para criar o “timing” o mais eficaz quanto possível.
A quem não conseguirias nem soprar uma nota?
Acontece-me, tão frequentemente, sempre que estou na presença de uma pessoa que admiro. A língua fica-me presa, mas sou demasiado tímida para dizer quem é!
“…o melhor silêncio ocorre quando alguém está confortável e descontraído com o outro. Assim, um bom concerto terá também essa sensação de conforto, partilhada entre os artistas e o público.”
Um músico tem de ter heróis, na música. Quem são os teus?
Há muitos compositores que já me fizeram querer ser um deles. Hoje em dia, muitos deles são pessoas que eu conheço. Não são famosos, mas continuam a fazer música bela, sem desistir. Vi este senso de determinação em tantos, no meu universo de músicos e amigos, que é uma qualidade que eu considero heróica. Porém, não vou mencionar nomes. Não quero constrangê-los!
Quem gostarias, e porquê, de ter numa sala a sussurrar músicas para ti?
Tenho de dizer Sufjan Stevens. Fiquei realmente envolvida com o seu último álbum, “Carrie & Lowell”. É minimal e emocional. Gostaria que fosse ele porque a sua composição desperta vários sentimentos fortes em mim, semelhantes aos sentimentos que tinha quando era adolescente e tocava guitarra com os meus amigos.
Resta-nos dizer-vos, ao ouvido, que amanhã dia 24 de outubro, pelas 21h45, Erica Buettner está em concerto na Galeria Santa Clara, em Coimbra. Para a semana, revelamos o murmúrio de um bando de pássaros. Até amanhã. •
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© Fotografia: Erica Buettner por Lois Gray.
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