Desde o primeiro dia de Setembro, com a abertura da Contextile 2018, que é possível descobrir a intervenção que Ann Hamilton, célebre artista norte-americana, concebeu para a cidade de Guimarães. Após uma residência artística no Centro Internacional das Artes José de Guimarães (CIAJG) durante o mês de julho, Ann Hamilton apresenta finalmente “Side-by-side”, o projeto expositivo que criou especialmente para a Contextile 2018 – Bienal de Arte Têxtil Contemporânea, em parceria com o CIAJG.
“Side-by-side” (Lado-a-lado) – patente até ao dia 25 de Novembro – restabelece uma ligação simbólica entre o lugar do novo e do antigo Mercado da cidade, agora Plataforma das Artes, inaugurada em 2012, que promete restaurar os laços afetivos entre dois lugares tão especiais nas dinâmicas sociais que atravessam Guimarães. Convocando duas instituições distantes no tempo mas próximas geograficamente, o Centro Internacional das Artes José de Guimarães e a Sociedade Martins Sarmento, a artista propõe estabelecer uma circulação de imagens, objetos, pessoas e animais, mediada pelos cânticos do grupo coral “Outra Voz” e pelos ecos da memória do tempo passado.
Mais do que ser a formalização de uma exposição (mais do que formalizar enquanto exposição), “Side-by-side”, projeto que Ann Hamilton concebeu, no âmbito da Contextile 2018 – Bienal de Arte Têxtil Contemporânea, para e a partir da Cidade de Guimarães, propõe e opera uma deslocação física e mental no tempo e no espaço.
O projeto, que se estende por quatro lugares simbólicos de Guimarães – o Mercado, a Plataforma das Artes, sítio do antigo mercado, o Centro Internacional das Artes José de Guimarães e a Sociedade Martins Sarmento – institui-se, em primeira instância, como um desenho à escala da Cidade, cujo fôlego traz consigo a potência de atravessar o tempo, através da reativação da memória do passado no presente, e de transportar-nos à origem mesma, ao ponto de cisão que conduziu a uma nova forma de ver e viver o mundo, a chegada de um tempo que é caraterizado pelo desencontro e o esquecimento: forma e função, interior e exterior, tempo e lugar, passado e presente, infância e idade adulta, corpo e espírito, terra e mesa, objeto e imagem, canto e memória, silêncio e palavra, homem e animal.
“Side-by-side” fala sobretudo de resistência (enquanto forma de existir) – uma voz interior, anónima, que transportamos, consciente ou inconscientemente, connosco. Essa voz é uma vocação, um modo de fazer ou de dizer, que herdámos (em palavras e em gestos). É um imperativo ético que se declina e que toma existência estética quando colocado no mundo, o espaço em que coincidimos e que partilhamos com os outros seres (humanos, animais, vegetais, minerais). É dessa existência estética que fala Ann Hamilton, na sua obra em geral e nesta ampla intervenção em particular. Um gesto, um objeto, uma palavra, um nome, uma imagem, estabelecem uma ligação, espoletam afetos, memórias, novos modos de ver e de conceber.
Neste projeto específico, a artista faz conviver aquilo que potencialmente nos é mais familiar com algumas coisas que nos são estranhas. Qual a diferença entre o mercado e o museu? Entre homem e animal? Vida e morte? Na interseção de dois planos, na definição da existência simultaneamente como limite e como expansão, é na pele que a artista definiu o foco desta instalação – a pele como primeira roupagem, como membrana que separa e une interior e exterior, a pele que cria o contacto e que inventa a sensibilidade, a primeira e mais ancestral forma de inteligência, contemporânea do som mas anterior à palavra. A instalação de Ann Hamilton reinventa o espaço simbólico do museu e do mercado (sacraliza o mercado, laiciza o museu), desloca o eixo de perceção dos objetos atribuindo-lhes um valor de troca em detrimento de uma valoração estética, propõe reaprender a ver, através do toque, do som, do olfato, da imaginação.
Ann Hamilton (EUA, 1956) é uma artista visual reconhecida internacionalmente pelo envolvimento sensorial das suas instalações em grande escala. Usando o tempo como processo e material, os seus métodos invocam o lugar, a voz coletiva, as comunidades passadas e o trabalho presente, fazendo-nos despertar as capacidades sensoriais e linguísticas de compreensão que constroem as nossas faculdades de memória, razão e imaginação. Reconhecíveis por uma acumulação densa de materiais, os seus ambientes efémeros criam experiências imersivas que respondem poeticamente à presença arquitetónica e à história social dos locais onde intervém.
A par com a intervenção de Ann Hamilton, relembramos que o Centro Internacional das Artes José de Guimarães tem patente – desde o passado dia 29 de Junho – as exposições “Leopard in a Cage | Projetos inéditos (1969-2018)”, de Julião Sarmento, e “Mundo Flutuante | Trabalhos: 1996-2018”, de Pedro A.H. Paixão – exposições que divulgámos aqui. , estas duas possíveis de visitar até ao próximo dia 07 de Outubro.
No âmbito da sua programação, em Setembro, o CIAJG irá ainda acolher duas conversas, de entrada livre, com convidados internacionais. No dia 13, Germain Viatte, célebre museólogo francês, fará uma intervenção sobre o seu mais recente projeto, uma exposição monográfica sobre Georges Henri-Rivière, precursor da museologia europeia. No dia 27 de Setembro, Emanuele Coccia, filósofo italiano, autor da influente obra “A vida das plantas”, fará uma leitura no âmbito da exposição antológica de Pedro A.H. Paixão.
A visitar, em Guimarães. •