Em cena: “Anjo” de Henry Naylor

Se gosta de teatro. Se gosta de teatro com história actual. Se gosta de teatro que conta histórias reais. “Anjo” é para si e vai estar em cena, esta semana.

Se nunca ouviram falar de Kobane, não faz mal. Quase ninguém ouviu. É uma cidadezinha fronteiriça onde não se passava nada. É como Vila Verde da Raia, mas na Síria. E se Kobane fosse um quilómetro mais a norte, na Turquia, nunca se teria lá passado nada. Durante um ano, Kobane foi o lugar mais importante da terra: a linha da frente na guerra entre a Liberdade e a Tirania. Porque é que não sabeis disto? Porque todos os jornalistas fugiram, ou seriam decapitados (…). Ora, para que não se esqueça, eis a nossa história. Eu sou a Rehana. O Anjo. Da aldeia de Tall Ghazal, uns trinta quilómetros a sul de Kobane…


Kobane é uma cidade curda-síria na fronteira com a Turquia, no norte da província de Alepo. Antes da Guerra Civil Síria (2011) a cidade tinha cerca de 400 mil habitantes, uma cidade com escala. Mas a escala mudou e segundo uma estimativa da ONU, em outubro de 2014 apenas 12 mil civis viviam em Kobane. Motivo? As violentas ofensivas por parte do Daesh, o território tem sido defendido pelas Unidades de Proteção Popular (YPG) e por uma organização militar formada apenas por mulheres curdas, as Unidades de Proteção das Mulheres (YPJ).

Em 2014, Kobane sofreu uma violenta ofensiva, denominada de “Cerco de Kobane”, uma batalha entre as forças do estado Islâmico e combatentes do curdistão sírio, criando uma onda de mais de 300 mil refugiados, a maioria procurando fugir para a Turquia. Sim, 300 mil. É aqui que começa a história de “Anjo”.


Uma mulher em palco conta a trajetória de vida de uma outra jovem mulher a viver em Kobane (…). Um dia a cidade é invadida pelo Daesh e a vida de Rehana altera-se completamente: de menina sonhadora, passa a uma mulher pragmática, franco-atiradora e temida pelo Estado Islâmico.

Uma peça escrita pelo dramaturgo britânico Henry Naylor, baseada numa história real, em situações que ele próprio testemunhou de perto. Depois da estreia em Portugal, no dia 29 de novembro de 2018, a peça ganha asas e voa até outros palcos.
A primeira vez que o ator e encenador Angel Fragua teve contacto com o texto de Henry Naylor não teve dúvidas: “decidi logo que queria encenar este texto e traze-lo para Portugal. O texto é muito bonito, emocionalmente forte mas sem ser pesado, e mostra-nos uma realidade que – habitualmente – fica distante do nosso quotidiano. Apesar da temática ser muito séria, a forma de a contar é muito próxima das pessoas, talvez porque o autor do texto escreve habitualmente comédia. O texto é muito vivo, muito cinematográfico.


Contactado o dramaturgo, que se entusiasmou com a ideia de “Angel” passar a “Anjo” e a peça ser feita em língua portuguesa, os ensaios começaram com a atriz Teresa Arcanjo a dar vida a 17 personagens, entre elas Rehana, o “anjo” de Kobane. “Tudo é difícil nesta peça. Para já é um monólogo, é muito texto, sim. Estou sozinha em palco, sem nada que me proteja. É preciso muita energia, muito foco e é emocionalmente desgastante. Eu preciso de ser justa, muito justa, com aquilo que estou a contar”, diz. A peça original “Angel” estreou em 2016 em Edimburgo e, desde então, tem recebido vários prémios. Em fevereiro de 2018, o espetáculo traduzido para o francês, foi nomeado para os Globes de Cristal de França como melhor espetáculo e tendo recebido o prémio de melhor atriz.

Henry Naylor é escritor, ator, produtor e diretor. Vários dos seus trabalhos de comédia foram premiados incluindo Smith & Jones, The Lenny Henry Show, Dead Ringers e Alistair McGowan’s Big Impression. Ele foi o principal guionista de Spitting Image, e, juntamente com o colega Andy Parsons, foi o protagonista de nove séries de Parsons & Naylor’s Pull-Out Sections on BBC Radio 2. Criou, produziu e dirigiu o muito premiado Headcases para a ITV1. Dramaturgo de várias peças de teatro, incluindo The Collector (Edinburgh Festival and Arcola Theatre, 2014), Echoes (Edinburgh Festival and Arcola Theatre, 2015) and Angel (Edinburgh Festival, 2016). Em Edimburgo estreou também “Bordes” e “Games”. Em 2016 levou a palco “Angel”, uma peça que tem vencido vários prémios em diferentes países do mundo onde tem sido apresentada.

Teresa Arcanjo nasceu em 1986. Em 2004 inicia a sua formação em Teatro/Interpretação na Escola Superior de Música e das Artes do Espetáculo – ESMAE – Porto. Na sua formação académica e pós-académica, trabalhou com António Durães, Rogério de Carvalho, João Mota, João Cardoso, Juliette Prillard, Omar Argentino, Norman Taylor, João Henriques, entre outros. Em 2008 inicia a sua carreira profissional com a peça “Tu Acreditas no que Quiseres”, uma adaptação de “Loucos por Amor” de Sam Shepard, encenada por Manuel Tur. Desde então integrou vários espetáculos, onde trabalhou como atriz, sob a direção de Cristina Carvalhal, Lautaro Vilo, Mathew Lenton, Simão Do Vale, Nuno Carinhas, Nuno M Cardoso e Sara Barros Leitão. Como encenadora já trabalhou com grupos profissionais e amadores e tem vindo a desenvolver um trabalho de formação teatral junto das camadas mais jovens.
Ángel Fragua nasceu em Madrid. Inicia estudos teatrais em 1989 no Curso de Formação de Atores de Alcalá de Henares. Posteriormente estuda na Escola de Teatro Ana Vazquez de Castro, metodologia Jacques Lecoq. Recebeu formação e/ou foi encenado por Fernando Calatrava, Luis Blat, Carlo Boso, Luis Dorrego, Carlo Colombaioni, David Ottone, Hernan Gené, Antón Valén e José Carlos Garcia. Em Madrid trabalhou nas companhias Yllana, Teatro del Finiquito e A Trancas y Barrancas. Em 2001 chega a Portugal e trabalha na Jangada Teatro até 2003. Membro fundador da Peripécia Teatro em 2004, onde faz parte de todas as suas criações até 2017. Em 2017 cria um espectáculo a solo: “Stand Down”, com encenação de Mara Correia e produção da Inquieta – comunicação e produção cultural.

E quais os palcos onde poderá ver esta peça obrigatória? Dizemos já:
22/03, 21h30 – Cine-Teatro João d’Oliva Monteiro, Alcobaça.
23/03, 22h00 – Festival Internacional de Teatro de Miguel Torga, Mondim de Basto.
05/04, 21h30 – Casa das Artes, Famalicão.
24/05, 21h30 – Theatro Circo, Braga.

A tomar nota. A ir. •

© Fotografia: Lino Silva.

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