“Blind Images” de João Louro

João Louro começa o seu projecto/série de “Blind Images” em 1990 e segue captando tais “imagens” ao longo do tempo, apresentando-se, então, como um programa de crítica, e clínica também. 

As “Blind Images” de João Louro implicam uma “Confiança Cega” da nossa parte, creio: porque oferecem um enquadramento descritivo em forma de palavras, mas ausentam a acção visual, instando, então, uma falha. Escolheu-se agora o #202 deste projecto/série não por acaso: pela alva “brancura” do écran, a contrastar com o “lugar” apocalíptico que lhe corresponde, ou seja, a Batalha de Verdun, ocorrida na Grande Guerra e no ano de 1916. “Blind Images” parece que estão constantemente a questionar-nos: como ser fiel à experiência? Sim: como fazer justiça ao visível e, na mesma senda, à força do acontecimento? Isto quando vivemos numa imersão pornográfica de imagens: a obscenidade está aí, de finca-pé, ao ponto do noticiável não ser válido se não for acompanhado de comprovativo visual, como selo de prova. 

A obscenidade é sinónimo letal de impossibilidade de tocar e de ser tocado/a, portanto, saltando já, de antemão, uma hipótese propalada de aridez na arte conceptual, afirmo: João Louro toca-me magistralmente com “Blind Image #202”. E é nesta capacidade de tocar que faço radicar a clínica de “Blind Images”: o seu intuito será crítico, sem dúvida, o resultado é clínico, sem dúvida também. Estabeleça-se um paralelismo entre estas imagens do artista contemporâneo e os “Os Desastres de Guerra”, de Francisco Goya, realizados nos inícios do século XIX: de como entre 1810 e 1815 era possível fazê-lo daquela forma; de como hoje, a partir de 1990, não. E não, porque o tempo se encharcou de imagens que serpenteiam o mundo, que piscam ininterruptamente durante o dia e a noite, que cavalgam o espaço aberto mundial, que caem como rajadas de balas nos olhos das pessoas, sem tempo e distância, tantas vezes, a maior parte delas, aliás, para formular um entendimento individual. 

“Blind Image #202” instaura dentro de mim, então, uma falha, e de índole poética. Não desejando, atenção, gerar aqui uma controvérsia, naquele sentido em que uma guerra seria ocasião de poesia, mas antes demonstrando que o gesto de João Louro contém tal índole. Já fiz menção a Etty Hillesum em diversas ocasiões: poderia agora lembrá-la no campo de concentração nazi para onde partiu de livre vontade, e buscando nas casas de banho uma oportunidade para escrever sobre a beleza e a redenção. Ali, Etty soube mesmo ajoelhar e rezar, o que buscou com cega fúria durante uma boa parte da sua vida. Então, é como se João Louro tivesse também buscado um abrigo durante a Batalha de Verdun para nos dar o “branco”, da memória. A cegueira de Etty Hillesum, a cegueira de João Louro, a minha cegueira, é de ordem muscular e sedia-se no Coração. Sim, e repito, saltando já, de antemão, uma hipótese propalada de aridez na arte conceptual, afirmo: João Louro toca-me magistralmente com “Blind Image #202”, no Coração. 

E digo João Louro, mas é a obra, é ele e sou eu, e sois vós, se assim o entenderem, ou sentirem. A obra de arte tanto traz agarrados restos do/a autor/a, como abre, esburacando, o olhar de quem vê. As obras de arte a sério, entretanto, fazem ligação directa ao Coração e aí explodem, tornando o músculo mais forte, porque sensibilizado e convocado.


© BLIND IMAGE #202, 2015 · Acrílico e plexiglass 200 x 300 cm / Fotografia: João Miranda

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