A lua e o sol, o frio e o calor, o sim e o não, a ferida e a faca. Ou: o sol e a lua, o calor e o frio, o não e o sim, a faca e a ferida. Ou: uma obra vista de dia.
Talvez seja importante, creio, começar por esclarecer que no início do meu curso em História da Arte descobri, com assombro, as esculturas de Rui Chafes através dos livros, cuja reprodução em fotografia contemplava absorta: há quase 30 anos. Quando Fragmentos de Novalis se publicou, comprei logo o livro, à espera de ver mais esculturas suas, mas deparei-me com os fragmentos de Novalis, efectivamente traduzidos, que nunca li integralmente, e com desenhos da autoria do escultor: não escondo a leve desilusão que me causou. Nunca acompanhei o seu percurso posteriormente, e seria apenas no ano de 2012, quando descobri o Espaço Llansol, em Sintra, que me deparei aí com uma obra sua – Vejo uma luz morrer, e foi como se um pouco mais de 20 anos se evolassem à minha frente: além de ter imediatamente visto nessa escultura uma analogia frutífera para o desígnio da historiadora. Depois deste episódio manter-me-ia atenta, e, em 2013, Tranquila ferida do sim, faca do não teria o carácter de revelação.
Tendo em conta a forma como as esculturas de Rui Chafes me cativaram há sensivelmente 30 anos, ou seja, através da reprodução em fotografia, e descobrindo depois o que o escultor afirma quanto à necessidade de ver integralmente com o corpo, digamos que, de facto, talvez houvesse aqui um desencontro óbvio à partida. Mas já diz o ditado: “Deus escreve direito por linhas tortas”, e haveria de aventurar-me na reflexão, não uma, nem duas, nem mesmo apenas três vezes, acompanhada das suas esculturas. Então, como qualificaria a arte-proposta de Rui Chafes? Diria que as ocasiões mais pregnantes se relacionam com uma capacidade de tornar as obras em presenças que criam uma espécie de diagrama onde o nosso corpo se vem a inscrever. Foi o que senti na experiência proporcionada por Tranquila ferida do sim, faca do não que, sinceramente, me proporcionou ainda um aferidor, não de projecção, não, mas de atenção, fosse para as ocasiões em que posteriormente vi exposições suas, fosse para outras situações do quotidiano.O olho vigilante com que Rui Chafes vê o mundo é o dele, mas tem uma parte que apenas é visível pelo Outro. Em 2012 terminou-se um texto intitulado Acorda os Anjos: existem pessoas que acordam os anjos; outras que ignoram os anjos; outras que matam os anjos; outras que têm tanto medo dos anjos que os tentam matar também, mas lentamente. E existem pessoas que tratam bem os anjos. Para mim, sinceramente, as esculturas de Rui Chafes têm estas pessoas todas.