Mãos no Peito e Corações ao Alto

“Auto-retrato com as mãos no peito” trata-se de uma aguarela devida a Egon Schiele e que se remete ao ano de 1910, confirmando a sensibilidade do artista austríaco que concessionou a sinceridade na sua pintura. 

A obra de arte exala e não pertence só a uma época, ou seja, não está empalada no século como quererão provar, certamente, os arquivistas-futuristas; a obra de arte rasga as crostas do tempo e vem mostrar-nos, agora, uma realidade presente. Subjugar as obras de arte a uma forma acabada e totalitária de Tempo, fazendo-as coincidir com uma qualquer evolução rarefeita da/s imagem/ns, significa perder o que nelas vem como fundamental e se apresenta com precisão indesmentível. Egon Schiele morreu cedo e viveu freneticamente, tendo em Gustav Klimt um apoiante e defensor inegável.  “Auto-retrato com as mãos no peito”, todavia, é uma pintura de bom comportamento relativamente às confrontações advindas deste pintor verdadeiramente possuído pela febre da criação, daquelas que radicam directamente no corpo. 

Note-se que uma das clamações da arte moderna foi a do movimento, por duas vias: a visível e a invisível, ou seja, a que facetou o exterior e a que incendiou o interior. Realmente, após a invenção da fotografia, que seria responsável por traduzir de forma realística o exterior, a arte assume esses dois caminhos primordiais: dirigir uma varinha de condão às coisas e aos seres na sua visibilidade ostensiva, levando-a/os a contorcer-se, a decompor-se, a fatiar-se, etc., ou, então, ir ao fundo das almas com uma vela acesa e trazer demónios, o mais das vezes, mas também, claro, gotas de água e de verbena. As mãos de Egon Schiele presentes neste auto-retrato, portanto, cruzam-se no peito e ardem no branco alvo que inunda o seu semi-corpo virginal: tanto prenunciam, estas mãos, a sua nudez talvez obscena, como se enrolam nos desejos, nas visões e nas poéticas de uma pintura sedenta de sinceridade. 

Um/a artista tem de ser honesto/a, porque essa é a única prova que tem para oferecer ao Mundo. Contrariamente aos que advogam pela existência de mercenários no chamado “mundo da arte” digo que, desde o primeiro gesto de generosidade que fixou o que sobreviveria à vida dos seres humanos, ou seja, daquilo cujos frutos não seriam e não são apanhados por quem enterrou a semente na Terra, a arte comporta um fundo de honestidade. Sem dúvida que a entidade “mercado” que hoje opera, numa espécie de (as)salto encarpado e mortal dirigido às obras de arte, vem obliterar o valor de honestidade que a arte sempre teve subjacente, e que terá passada a enxurrada de embustes e de valores de mercado prevalecentes. Até lá, mantenham-se as mãos no peito e dirijam-se os corações ao alto, porque: nesta actualidade fracturada, que tanto alucina o real, como é subserviente à realidade, cabe-nos vigiar os sinais e soprá-los com leveza, para que nos/vos atinjam.