A Criança e o Fantasma

No ‘quarteirão das artes’ da cidade do Porto, com a rua Miguel Bombarda a abrir um veio fulcral, destaco agora uma exposição que merece toda a atenção, cuja aspiração abre este texto através do título. 

As Inaugurações Simultâneas de Miguel Bombarda contam já com história indelével que imprime na cidade uma marca perene: a identidade, tanto assenta na diferença, como se afere e confirma pela repetição. Acto contínuo, portanto, as inaugurações também se responsabilizam por conferir ritmo às artes, aos e às artistas, bem como a quem vai para ver. O que lhe proponho, aqui e agora, é que fixe um número na rua Miguel Bombarda – 222, correspondente ao Gallery Hostel onde fui encontrar “A Criança e o Fantasma”, uma exposição a quatro mãos e com curadoria de Luís Mendes. Não se tratando de uma galeria-tipo, alberga artistas usualmente nos inícios dos seus percursos e proporciona seguir o faro do Hostel, para ir deambulando pela Gallery.  

Para o dia 22 de março, data em que o evento inaugural se desenrolou, fui recebida no Gallery Hostel por Simbraz-pintor, que me conduziu a LARA UERC-fotógrafa, pela mão desta desaguei na Mariana Alves de Sousa-pintora e na Rita Fugaz-pintora, para encontrar no fim, tal como uma espiral, quem me acolheu inicialmente – Simbraz-pintor: as quatro mãos que compõem “A Criança e o Fantasma”. Aspiração de profundidade inequívoca, que bebe conceptualmente nas reflexões de Jacques Derrida e de Giorgio Agamben, nesta ocasião vai-se apresentando a infância rondada pelo Tempo, espelhando, tanto quem a traz ao Mundo, como quem mais tarde é pela própria Infância vigiado/a, porque a continua a trazer em si; mas igualmente quem nos visita, seja em sonhos, seja através de aragens praticamente invisíveis.  

Neste Hostel-Casa fui, portanto, encontrar o que as obras de arte sabem fazer como ninguém: serem testamentos de quem as cria, serem testemunhas do Tempo e funcionarem enquanto rasgos que fazem mais Mundo/s, a que necessariamente e potencialmente pertencemos.  Nesta exposição não existe concordância formal, mas uma família de 4 para um espectro de mil, ou seja: o/as artistas no seu desdobramento, as obras de arte na sua condição vibrátil e as figuras das obras que, e nunca é demais dizê-lo como José Gil o escreveu, vêm dançar com quem as vê. Porque é logicamente defensável que as crianças e os adultos de Simbraz nos interpelam e falam, ainda que em silêncio; ou que os corpos que LARA UERC fixa podem subitamente atravessar as águas e/ou mergulhar nelas, desaparecendo; ou que se ouve a música que o rapaz pintado por Mariana Alves de Sousa tira daquele instrumento; ou que as salas podem de repente ficar cobertas pelas raízes desenhadas a cor de Rita Fugaz.  

Não perca: são dois meses e já passaram alguns dias. No Gallery Hostel, nº 222 da rua Miguel Bombarda, Porto. 

© Fotografia: Gallery Hostel