Editado no passado dia 25 de abril, pela Galileo Music, está aí o novíssimo trabalho de originais do inconfundível e obrigatório Rodrigo Leão. Um disco, mais português que nunca, onde as melodias se tornam urgência e as palavras ganham chão – com coros, percussão e cumplicidades antigas a traçar o retrato de um país real e íntimo.
O nome do compositor Rodrigo Leão é conhecido do público português desde os tempos da banda Sétima Legião. Posteriormente, integrou os Madredeus, projeto com o qual reforçou a sua visibilidade. Em 1993, lançou o primeiro disco em nome próprio, Ave Mundi Luminar, iniciando uma carreira a solo que viria a incluir uma discografia extensa, onde constam também bandas sonoras e colaborações com artistas como Ryuichi Sakamoto, Neil Hannon (Divine Comedy), Beth Gibbons (Portishead) ou Michelle Gurevich.
Agora, trinta e dois anos depois da estreia como músico a solo chega este O Rapaz da Montanha. E não há como evitar o adjetivo: o novo disco de Rodrigo Leão é surpreendente, quer em termos musicais quer até em termos de carreira do compositor. O próprio o reconhece: “Foi um disco inesperado. Há três anos que o tinha na cabeça e fui construindo-o de forma muito focada, de uma maneira diferente da que aconteceu nos anteriores, em que a composição saía sem tempo ou intenção determinada. Aqui, a partir daquela frase da Ana Carolina [Costa] ‘Se Deus perdoa a quem engana/quem é que perdoa a Deus ?’ [incluída no tema Cadeira Preta] comecei logo a pensar no que iria fazer. E agora que está acabado acho que é o disco mais português que fiz até hoje”.
Esta noção de identidade é verdadeira: percorre mais intensamente vários discos do compositor e estão visíveis na compilação Os Portugueses (2018). E com efeito este novo disco pode caber nessa identidade que de um modo ou outro sempre esteve presente na obra de Leão.
Agora, em 2025, O Rapaz da Montanha apresenta de facto uma mudança de forma e substância. Musicalmente, a utilização de coros (em que o próprio compositor participa), que reforça um sentimento coletivo, e uma marcada percussão em alguns temas evoca desde logo alguns cantautores portugueses da década de 1970, algo que Leão reconhece.
A nível da lírica também se percebe uma mudança de abordagem: os sentimentos etéreos e melancólicos que tão bem estão representados na obra de Leão dão aqui lugar a uma linguagem mais direta, que dialoga com uma realidade dificil mas verdadeira. As palavras mostram homens “presos naquela engrenagem” (O Rapaz da Montanha), mulheres subjugadas e com vontade de libertação (Guarda-te), gente à procura de si mesma (Andava Eu, Estranho Imperfeito), a dura faina no mar (Lobos do Mar) ou personagens que se debatem com a sua mortalidade e são reféns no mais terrível dos territórios – o país do “Se”, do que ficou por fazer (Madrugada). Como é hábito, Ana Carolina Costa é a autora da maioria das palavras, com as exceções de Gito Lima (Estranho Imperfeito), Francisco Menezes (Esperança) e João Pedro Diniz (Vento Sem Fim). No final o que fica é um apelo à ação, a um libertar das grilhetas dos dias, uma luta que vale a pena enfrentar mas que nunca prescinde do céu da esperança. “Lá em baixo não há nada/ mas há tanto p’ra fazer!”, canta-se em O Rapaz da Montanha.
O mundo da criação de Rodrigo Leão vive desde sempre intimamente ligado aos afetos, quer seja através da família ou dos amigos. Sem surpresas aparecem neste disco cúmplices novos e mais antigos, como Pedro Oliveira (amigo de infância, cantor da Sétima Legião, co-produtor do álbum com Leão e João Eleutério e interveniente como músico em vários temas e cantor em Esperança) ou um amigo e cúmplice de vários projectos (Sétima Legião, Madredeus e Os Poetas): o acordeonista Gabriel Gomes. Há lugar também para convidados como José Peixoto (guitarra clássica), Carlos Poeiras (acordeão), Francisco Palma (voz) ou o ilustrador Tiago Manuel, que sem esforço passam a cidadãos honorários da obra de Leão. A sua família próxima também colabora : para além da autora das palavras e sua mulher Ana Carolina Costa, os filhos Sofia, Rosa e António estão presentes ao longo do disco. Mesmo os músicos que Leão chamou para este disco refletem anos de trabalho e cumplicidade: a cantora Ana Vieira – a voz principal do disco – , Viviena Tupikova (violino), Bruno Silva (viola), Celina da Piedade (acordeão), Carlos Tony Gomes (violoncelo e autor dos arranjos de cordas), João Eleutério (guitarra, baixo e sintetizador), António Quintino (contrabaixo) e Frederico Gracias (bateria e percussão).
Seria errado dizer que O Rapaz da Montanha significa uma revolução no universo musical de Rodrigo Leão. É antes uma evolução consequente, que mesmo trazendo mudanças não abandona um milímetro da identidade musical do compositor. Com uma já longa e notável carreira, a inquietação e a curiosidade permanece viva em Rodrigo Leão.
02/05 – Rodrigo Leão – O Rapaz da Montanha, FNAC Talks, FNAC Colombo, Lisboa.
06/05 – Rodrigo Leão – OS PORTUGUESES, Teatros del Canal – Sala Verde, Madrid.
10/05 – Rodrigo Leão – O Rapaz da Montanha, FNAC Talks, FNAC Chiado, Lisboa.
17/05 – Rodrigo Leão, Centro Cultural, Paredes.
30/05 – Rodrigo Leão, Auditório de Vila Nova de Gaia.
Incontornável na cena musical portuguesa, Rodrigo Leão surpreende de novo com música que se sente na pele… Obrigatório ouvir este Rapaz da Montanha. •