Loucura infinita. Filosofia peculiar. Imaginário surrealista. É o que se põe e dispõe. O designer arquiteto. O improvável. O texto podia ser calmo, descritivo. Podia dizer que Starck nasceu em 1949, em Paris, que estudou na Notre Dame de Sainte Croix, em Neuilly, e na École Nissim de Camondo de Paris. Que é, sem exageros ou gabarolices, o designer contemporâneo mais aclamado, premiado e desejado, no mundo.
Acrescentar que não chegaria uma dúzia de páginas para escrever o seu curriculum vitae, em lista. Podia expor que já desenhou, projetou e criou de tudo um pouco, até uma aparentemente banal escova de dentes; que na arquitetura de interiores se destaca na hotelaria e restauração tendo só, neste ano de 2013, terminado três mundos unique para nossa tentação – Mama Shelter Lyon, Mama Shelter Istambul e Miss Ko Paris; que no design e no design industrial desenvolve veículos, roupa, louça sanitária, candeeiros, mobiliário, utensílios de mesa, cozinhas, bagagem… e falar sucintamente de cada série, objeto, projeto; e, certamente e porventura, seria um texto sobre um outro criativo mais constante, menos exótico, mais neutral. Philippe Starck é, em si mesmo, uma marca, um sinónimo de design, um designer de referência estética. É uma marca desejada por outras como Baccarat (reinvenção do lustre com Zénith…), Cassina (sofá bem apetrechado), Flos (domínio da forma da luz…), Kartell (uma família de cadeiras…), Magis (aquele último chien…), Fossil (tem horas?)… todas estas com trabalhos, vários, assinados por alguém que diz de si mesmo: “I have this mental sickness called creativity” (abençoada doença). É convidado de luxo, senhor de um império. É criatividade em estado puro. É um filósofo das formas de amanhã, é design de humor refinado.
Num texto sobre Starck há que extravasar no sincopado, no gongórico e até se for preciso colocar Duchamp com Dali a disputarem metáforas, não subestimando o Chirico. Quiçá chamar o Warhol misturando-o com Pollock para a ceia e bem traçado mesmo, era propor Eames como mediador da mesa de debate e Corbusier na análise… vejamos então como poderemos, da mais inebriante
forma, definir o designer arquiteto, avisando que é provável olvidar uma definição. Rigor e simplicidade. Criatividade e qualidade. Genialidade inesgotável. Frágil e forte. Ambiente e (re)evolução. Impertinente e agradável. Elegância e delicadeza. Dinâmica e funcionalidade. Não esquecer: originalidade. Imaginação, em dose nada espartana. Inusitado e barroco. Delacroix e Mary Poppins, o surrealismo nunca terminou. Consensual? Não. Mestre de excelência? Sim. Provocador? Depende. Autenticidade? Obrigatória. Intensidade premissa. Um veado nas escadas e um candelabro com um guarda-chuva? Feito. Ou não terá um lustre o direito de “I’m singing in the rain!”? Não há dúvidas, Gene Kelly ia gostar de Marie Coquine.
Monsieur Starck tem o dom inato de nos cativar, de nos fazer render, sistematicamente, ao seu luxo imbuído de espírito francês em peças orgânicas que são prolongamentos do nosso corpo, apoiando-nos o espírito seja num garfo, numa bicicleta, num banco alto ou num casaco de fecho em viés; de nos dar o exagero do brilho sem nunca nos cegar, pois o mais pode ser mais, quando a loucura é starckiana; tem o hábito tremendo de nos fazer desejar ambientes que nos fazem viajar para universos paralelos, onde o arrojo do desenho, na ousadia de um plano, não perde equilíbrio por mais solto ou inclinado que esteja; não houvesse nos interiores um certo kitsch sofisticado ou um contemporâneo garrido, com elementos inusitados que lhes quebram qualquer tendência minimalista que possa querer sobressair. Em todos os objetos, a excentricidade é espinhal medula do corpo traçado. em todos os espaços, a arte é artéria nos corpos criados. Que seja permitida a heresia de dizermos que existe, no hoje e desde ontem, um novo toque, o toque de Starck. Com o designer arquiteto em causa, não é para procurarmos retângulos de ouro ou espirais de Fibonacci, não é para questionarmos a sua criatividade ou formas, não é para entender o porquê daquela bóia na parede ou daquele braço na poltrona. É para se viver o espaço, sentir a forma. É para nos deixarmos levar numa improbabilidade surrealista que é realidade imaginada. Philippe Starck é a concretização do improvável provável, ele ser mutante que diz, sem hesitar, “we are mutants”, não fosse o mundo criativo um constante mutação e nós, seres mutante(s)… Savoir-faire, Monsieur! •
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