No cinema com Mancines

Após um concerto de estreia, em Coimbra, no Auditório do Conservatório de Música, fomos a uma curta-metragem, ou melhor, a dois dedos de conversa com um dos mais recentes trabalhos no panorama musical português: Mancines.

Como álbum de estreia é-nos dado um “Eden’s Inferno”. Um Paraíso infernal ou Inferno paradisíaco, que sejam permitidas as duas leituras conforme cada qual assim o sinta, no alinhamento de dez composições, de um álbum heterogéneo onde se faz uma viagem em inglês e italiano que, pelos acordes e lírica, nos leva para um universo do cinema clássico, das indispensáveis bandas sonoras. Na conversa estivemos com Raquel Ralha (RR) – (Wraygunn, Belle Chase Hotel, Azembla’s Quartet), Toni Fortuna (TF) – (D3O, Tédio Boys, M’as Foice) e Pedro Renato (PR) – (Belle Chase Hotel, Azembla’s Quartet). Sem mais demoras, porque pode reler a nossa review aqui, escrita aquando da edição do álbum, que se dê início à curta-metragem.

O Inferno do Éden, Adão e Eva que o digam. Depois, aprofundando, o inferno da perfeição, a nossa corrosão interior para escalar a Babel e atingir as riquezas de excelência. Foi por isto, pelo inferno de apresentar um álbum assim, que estiveram 15 anos no Génesis?
PR: Nunca devia ter dito isso (risos), dos 15 anos. Foi culpa minha, porque não foi bem isso que aconteceu com este projeto. Não demorou 15 anos. Algumas destas músicas têm sim 15 anos, lá em casa, nas gavetas, desde a composição até ao processo de preparação para este álbum específico. Algumas podem ter 10 anos, outras 12, outras os tais 15 anos. Mas o projeto não demorou 15 anos para ser feito, estas músicas estavam apenas à espera do momento ideal, do projeto certo, para serem lançadas. Só agora, nos últimos três anos, se reuniram estas músicas num todo, para este trabalho. Houve uma espera para surgirem aqui, nos e como Mancines.

Raquel Ralha / Toni Fortuna

Cinema. Henry Mancini. Bandas sonoras. É assumida esta vossa aproximação e esta vossa identificação. O que têm os 35mm que vos colocam neste registo e nesta admiração por um incontornável da Sétima Arte?
PR: O universo das bandas sonoras é algo que já está patente noutros trabalhos e projetos meus. Na verdade, já fiz música para cinema porque o meu trabalho, de um modo geral, tem esta leitura do universo cinematográfico. O Henry Mancini não é, de todo, uma referência maior do que, pelo menos para mim, o Ennio Morricone, ou Nino Rota ou John Barry, entre outros. É um nome que é referência comum a todos nós e que, de certa maneira, era mais apelativo para nome de banda, como principio e mote/conceito do grupo. Era um nome que mais forte, mais visual, graficamente, que os demais.
RR: E, para além disso, agarrando nessa vertente cinematográfica, depois acabámos por modificar um pouco o nome colocando-lhe o “e” e o plural, neste caso remetendo, também, para o conceito de família.

De que forma poderíamos ver este trabalho como uma banda sonora?
TF: No facto das músicas serem todas díspares entre si e remeterem para diferentes imagens. O que faz com que nos remetam, igualmente, para um universo mais cinematográfico, como um filme que vive de vários momentos. Temos a riqueza estética necessária.

Poderia eu, de forma naïf, colocar-vos no mundo cinematográfico dos anos 1950/60?
PR: Poderias, pois (risos). Obrigadíssimo!
RR: Ou até antes! Mas sim, claro.
TF: Claro, eu prefiro os filmes antigos aos mais recentes.

Uma diva, uma cena, que seja aquela para quem ou qual até compunham algo.
TF: Não consigo ser redutor. Não consigo pensar numa só pessoa, especifica, para fazer isso. Acho que se andarmos umas décadas para trás temos centenas de pessoas que poderiam fazer sentido. Não tenho uma atriz ou um ator específico.
PR: É difícil. Em várias áreas há actores muito bons desde a comédia, ao drama, ao romance… Se me falares mais direcionado para a música, na parte que me toca, óbvio que há uma figura inspiradora nas bandas sonoras e talvez deva dizer que é Morricone. Uma influência que produziu imenso e com quem as bandas sonoras eram quase elas próprias um personagem. Por exemplo, em “Once Upon a Time in the West” aquele momento da harmónica criou e fez a cena toda. O Morricone tinha esta carga. Era isso. Era mais um personagem, nos filmes.

Gonçalo Rui / Pedro Renato

“Breakfast at Tiffany’s” com “Moon River”. Audrey Hepburn não canta, no filme, a música esgalhada para ela por Mancini. Dizem, na crítica, que foi tal lapso que lhe negou o Oscar. Num jogo de palavras e analogias, a razão pela qual têm JP Simões no álbum e ao vosso lado no concerto de estreia, é um lucky charm?
TF: O JP é muito fácil explicar, é óbvio.
RR: Para mim não há nenhuma explicação muito elaborada, não há nada para alimentar. O JP participou no disco e naturalmente achámos que fazia todo o sentido ele estar presente e cantar, nesse concerto, a música que gravou connosco.
PR: Já tinha trabalhado com o JP, gosto muito das letras que ele escreve e uma vez que ele tem escrito, quase exclusivamente, em português, quis lançar-lhe o desafio dele escrever em inglês e pronto, acho que ele continua a ser um dos grandes escritores de letras a nível nacional. Fazia todo o sentido tê-lo connosco. Acabou por ser uma reunião de velhos amigos (risos). Uma reunião de veteranos.
TF: Eu diria contemporâneos (risos), é mais elegante.

Pink Phanter Theme”, inconfundível e absolutamente obrigatória na cultura das bandas sonoras. O que vos torna únicos, originais e que será o ingrediente (como é o saxofone na música de Mancini) que vai prender o público ao projecto? 
PR: Sou muito mau a vender o meu trabalho (risos). Hoje em dia, há muita produção musical, muitas bandas, muitos discos a sair; há muitas editoras, mais pequenas ou maiores, mas há poucos discos de canções. Acho que uma das mais valias dos Mancines é esse lado cançonetista. Ainda escrevemos canções. Há projetos interessantes, projetos a acontecer, mas não há discos de canções a serem feitos portanto, isto é a nossa mais valia.

Peter Gunn Theme”, série de Blake Edwards. Peter Gunn detetive particular, sempre impecavelmente vestido, cabelo no sítio, amante do jazz e de gosto sofisticado. Não só pela vasta panóplia de instrumentos, mas também pela apresentação de um projeto como o vosso, ele tem de ser como o Mr Gunn, esteticamente irrepreensível?
TF: Tem sempre, é impossível não ser. Se nós de alguma forma achamos que as músicas nos remetem para filmes ou cenas de filmes, o ter algum tipo de cuidado com a imagem que nós queremos mostrar ou transmitir, mesmo em concertos, faz todo o sentido neste projecto.
RR: É uma componente importante como as outras e é algo que contribui para esse todo que nos queremos que os Mancines sejam, um grupo de pessoas com gostos musicais com várias referências, que reune todas essas influências e componentes estéticas, e tudo isso contribui para que a família Mancines seja algo sólido e coerente.
PR: A Raquel disse tudo, queremos reforçar esse lado de família, de ligação forte. O impacto visual da nossa apresentação também tem de traduzir essa unidade e temos de ter algum cuidado na produção. No que respeita aos instrumentos, digamos que tivemos muitos amigos connosco, essenciais. O disco não era o mesmo sem o quarteto de cordas, sem o Sérgio a contribuir com a flauta transversal e com o saxofone, ou o trombone e o trompete do Tapadinhas,… O universo musical cinematográfico não vive sem esta “orquestra” e confesso que também não estou habituado a escrever música para a base de guitarra, baixo e bateria. Portanto, estes instrumentos são outra mais valia.

Escrevem o Inferno e o Éden, as duas palavras, no mesmo álbum. Não esquecendo que o Limbo está off… o que se segue? Continuamos?
PR: Aqui, é o Inferno do Éden e sim, isto é para continuar. Na verdade, já estamos a preparar e lançar músicas para o próximo disco, isto é só o começo de uma viagem.
TF: Quem sabe se para nós o Purgatório fará sentido…

E hoje, dia 25 de junho, minhas senhoras e meus senhores, há mais logo às 21h30, no Teatro da Trindade em Lisboa, Mancines ao vivo. Aproveite e rume à Trindade para ouvir nova música portuguesa. •

+ Mancines
© Fotografia: Mancines.

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