Joana Niza Braga na Berlinale / entrevista

“Quem diria que aos 27 anos, iria ganhar o “Cinema Audio Society Award” para melhor mistura em documentário e estaria frente a frente com o Steven Spielberg!”

Com apenas 28 anos, Joana Niza Braga, também conhecida por Niza, é uma das designers de som que mais sucesso tem em Portugal. 

Aos mais de 60 filmes no currículo e diversas distinções internacionais, soma-se um Urso de Ouro (“Balada de um Batráquio”, 2016) e um Óscar, que ganhou com “Free Solo” (melhor documentário) em 2019. Desde então a “foley mixer”, uma autoproclamada “workaholic”, não tem parado.

A Mutante teve o prazer de estar à conversa com a jovem por ocasião da 70ª edição do Festival de Cinema de Berlim, que nos falou da sua paixão pelo som, o trabalho no estrangeiro, e no que significa ser mulher numa indústria maioritariamente masculina. 

Niza, foste selecionada para o prestigiado “Berlinale Talents” 2020. Que balanço é que fazes da tua experiência?

Sinceramente, não tinha grandes expectativas e foi a Ana David, programadora de filmes no IndieLisboa e no “Berlinale Panorama”, que me encorajou a enviar a minha candidatura. Em 2016 já tinha participado no festival, com a Leonor Teles, e penso que a minha presença foi um relembrar da minha experiência passada.

Também tenho a dizer que o que mais me impressionou foi a diversidade de realizadores, de pessoas da indústria vindas de toda a parte do mundo; por exemplo, entrei em contacto com uma realizadora do Paquistão, que me esteve a explicar as dificuldades em filmar e dirigir um filme na sua terra natal, especialmente como mulher. São este género de histórias e contactos que me fascinaram.  

Não só participaste na Berlinale pela primeira vez em 2016, como também ganhaste um Urso de Ouro com “Balada de um Batráquio“ nesse mesmo ano. Sentes que este feito impulsionou a tua carreira?

Claro que sim. Não só pelo Urso de Ouro em si, mas também ter sido convidada a integrar a “Loudness Films” por Branko Neskov, um dos fundadores e uma das maiores referências do som em Portugal. Isto foi em 2016, logo após “Balada de um Batráquio”, e desde então não tenho parado. Ao fim ao cabo, devo a minha carreira ao Branko, por tudo o que me ensinou e por tudo o que tenho desenvolvido até agora. 

Se não me engano, um dos teus primeiros filmes intitula-se “Rhoma Acans”, e foi dirigido pela Leonor Teles em 2012. Podes-nos falar um bocadinho do teu percurso e evolução enquanto “foley mixer”?

O “Rhoma Acans” foi um filme que fiz no segundo ano de faculdade e que consolidou a minha parceria com a Leonor Teles. Desde então, eu e a Leonor somos como que irmãs e temos vindo a trabalhar ao longo dos anos de maneira bastante próxima. De facto, a nossa colaboração é tão próxima, que é quase como se fosse instintiva, ou seja, nem precisamos dizer em é que estamos a pensar porque a outra já está um passo mais à frente.  

Em relação ao meu percurso, às vezes nem nos damos conta da evolução, percebes? São projetos uns atrás dos outros, cada um com uma história por detrás. Quando estamos a fazer um filme, há dois filmes a acontecer; o filme em que estamos realmente a trabalhar, e outro filme, o filme por detrás da câmara. Isto para explicar que o mesmo se passa comigo; é uma sequência de projetos que vai acontecendo naturalmente. E claro, evolução só é possível através de muito trabalho, esforço e dedicação.

Contas com mais de 60 filmes no currículo, incluindo os conhecidos “The First Purge”, “Creep II” e claro, o premiado “Free Solo”, que ganhou o Óscar para melhor documentário em 2019. De qual dos teus projetos te orgulhas mais?

O “Free Solo” foi uma experiência indescritível, que nem dá para classificar. Penso que ninguém estava realmente à espera do sucesso que teve e, quando ganhámos o Óscar, foi uma surpresa total. Quem diria que aos 27 anos iria ganhar o “Cinema Audio Society Award” para melhor mistura em documentário e estaria frente a frente com o Steven Spielberg!

Esse prémio fez com que fosse convidada a ser membro ativo do CAS, mesmo ser ter os anos de experiência mínima requeridos. 

Em relação ao conjunto de filmes que fiz até agora, considero aqueles que são feitos com pessoas com quem tenho mais afeição, os mais especiais. Também destaco o “Terra Franca” (2018), de Leonor Teles, como um dos filmes que mais me orgulho, porque fiz exatamente o que eu queria ter feito com o design de som. 

Edição e design de som é uma tarefa que consome bastante tempo e que exige um grande foco e dedicação. Quais é que consideras serem os maiores desafios da tua profissão?

Penso que um dos maiores desafios é traduzir a linguagem do realizador, ou seja, tentar entender a sua visão e adaptar o meu trabalho à mesma. Por vezes podemos discordar artisticamente, mas penso que o mais importante é fazer um trabalho bem-feito, que corresponde à visão do realizador e àquilo que este quer transmitir ao público. 

Li numa entrevista anterior, que te descreves como “workaholic”. Como é que concilias a tua vida privada e a tua vida professional?

É complicado, não gosto de estar parada e por essa razão aceito vários projetos seguidos. E claro, também gosto de ajudar amigos; por exemplo, se alguém vem ter comigo e pede-me ajuda para terminar um projeto porque não tem meios para o fazer, é-me difícil dizer que não. Por isso gosto de dizer que a fórmula mágica é não dormir e beber muito café!

Niza, trabalhas frequentemente para os Estados Unidos, o que acredito ser um grande contraste com Portugal. Consideras que há oportunidades suficientes no nosso país?

Eu diria que sim. Claro que também tive um bocadinho de sorte com a minha carreira,  no entanto, quando aparece essa sorte, é necessário estarmos preparados para a agarrar e trabalharmos muito para tornar os nossos sonhos em realidade. É importante não estarmos à espera que as coisas apareçam por si só, mas sim trabalhar bastante para atingir os nossos objetivos. 

Alguma vez já te sentiste desvalorizada  por seres mulher e profissional na indústria do som?

Sim, claro. Sinto que muitas vezes tive, e ainda tenho, que tenho de trabalhar o dobro para conseguir ter uma maior valorização na indústria. São raras as designers de som; na Berlinale, estive à conversa com uma realizadora que ficou espantada com a minha profissão, por julgar que é predominantemente masculina. 

E já equacionaste mudares-te para o estrangeiro? 

Já, várias vezes. No entanto, é uma decisão que estou a adiar, mesmo tendo várias propostas para ir trabalhar para o estrangeiro. Gosto muito de estar em Portugal, não só pela minha família e pelos meus amigos, como também pela liberdade que aqui tenho para desenvolver o meu trabalho. Não me atrai nada a ideia de trabalhar quase que por obrigação, em piloto automático, porque a arte de fazer bom cinema vale muito mais do que o dinheiro que poderia vir a receber. Para mim, o mais importante é ajudar o realizador a contar histórias e não o valor monetário associado à minha profissão. 

Obviamente, és um caso de sucesso. Que conselho darias aos jovens que procuram fazer nome na indústria cinematográfica?  

Vejam muitos filmes! Eu tive um estagiário a quem estava a dizer exatamente isso. Ou seja, por melhor que sejas a mexer na mesa de mistura, a dominares a técnica, se não entenderes a linguagem cinematográfica de um filme, nunca te vais tornar no melhor. É necessário compreender a linguagem, o processo por detrás da edição de som e dar 100% no teu trabalho. 

E para terminar, se nao fosses designer de som, o que serias?

Jogadora de futebol ou engenheira aeronáutica na NASA!

+ Joana Niza Braga

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