Produção, Criatividade, Palcos. Qual o futuro da cena musical? / João Nuno Farinha

Se há semanas desafiámos João Nuno Farinha a sentar-se à conversa com a Mutante a propósito de “SOLTO”, o seu mais recente trabalho de originais, hoje desafiamos João Nuno a um pensar sobre os últimos 12 meses, enquanto músico activo na cena musical.

João Nuno Farinha, músico, compositor, voz e um dos homens do leme do projeto Fado Ao Centro – espaço no coração histórico da cidade de Coimbra – lançou no dia 04 de dezembro de 2020, no grande auditório do Convento São Francisco em Coimbra, “SOLTO”, o seu segundo disco a solo, “um trabalho que veio agitar as águas do Fado de Coimbra“.
Esta voz e cara bem conhecida da cena musical de Coimbra (e com os merecidos elogios da imprensa além fronteiras), não baixou os braços face à pandemia e presenteou o seu público com 11 temas onde nos diz e mostra que pode haver – e há novos – caminhos sem esquecer a sua matriz, sem esquecer as bases que fizeram dele um nome reconhecido na vertente mais tradicional da Canção de Coimbra que, agora, aparece no trabalho de João Nuno com novos ares.

Se te pedisse para escolheres uma nota musical ou frequência hertziana ou um valor em decibéis para resumir estes últimos 12 meses, qual seria e porquê?
(JNF):
Eu diria que entre o silêncio e o ensurdecedor na escala dos decibéis (de 0 a 140), estaria nos 20Db! Este valor representa mais ou menos os 90% de quebra na agenda de concertos que tive nos passados 12 meses e por outro lado retrata bem o silêncio a que os músicos foram remetidos.

Houve tranquilidade e disponibilidade – física e mental – para pôr em prática o que anteriormente te era quase impossível, como tirar projectos da gaveta ou reorganizar-te?
(JNF):
No meu caso particular, aquando do inicio do primeiro confinamento, estava em fase de finalização de um disco (SOLTO). Acabei por ficar com algum tempo livre retificar alguns aspetos do trabalho e realizar algumas tarefas de bastidores. No entanto, a crise pandémica retirou a hipótese de um lançamento com tournée associada, o que tornou ainda mais difícil uma divulgação eficaz. De qualquer modo, nos muitos tempos mortos a que o confinamento me remeteu, acabei por compor muita música, pelo que a sequela do SOLTO já tem conteúdos para trabalhar.     

Como encaraste e encaras os concertos em streaming? São de alguma forma um motor para se manter uma certa actividade, te sentires activo?
(JNF):
Fiz alguns concertos em streaming, mas efetivamente não é a minha praia. Preciso do feedback do público em tempo real para me entusiasmar e conseguir tirar coelhos da cartola em palco. Para além disso há a questão do som, para mim um dos aspetos mais importantes num concerto, que é completamente relegado para segundo plano pelo simples facto de quem nos está a ver a partir do telemóvel, do computador ou mesmo da televisão, estar  limitado ao som desses dispositivos.

Estás a desenvolver músicas/produções ou programação para a nova temporada pós-confinamento que se avizinha? Se sim, podes levantar a ponta do véu?
(JNF):
Sim. A experiência do SOLTO foi bastante enriquecedora e entusiasmou-me para lhe dar continuidade. Se tudo correr bem, lá mais para o final do ano terei novidades, no entanto está tudo dependente do desenrolar da pandemia e de alguns apoios que consiga mobilizar.

Como se organiza uma agenda com tantas incertezas e reagendamentos constantes? É exequível programar ensaios, concertos e tours a curto e longo prazo?
(JNF):
O médio/longo prazo ganha mais sentido nestes tempos.  Toda a incerteza e restrições associadas às medidas de combate à pandemia tornam efetivamente muito difícil a organização de uma agenda e tem deixado muitos profissionais do setor em perfeito estado de apatia. Os constantes reagendamentos e cancelamentos tiram fulgor e crença a quem quer produzir e arriscar em novos trabalhos.

Sentes que a paragem forçada da cena musical transformou o olhar do público e a mesma passou, finalmente, a ser mais olhada como profissão e não como hobby?
(JNF):
Com certeza, pois o público teve finalmente a noção do impacto que a pandemia teve da precariedade de muitas vidas ligadas à cena musical. A mediatização deste impacto, muito por força de ações meritórias como a da União Audiovisual,  está inclusivamente a ter a capacidade de sensibilizar os governantes para a criação de um estatuto de carreira e proteção social para todos os profissionais da cultura, que evite situações como a que temos vindo a assistir.    

Produção. Criatividade. Palcos. Como é a tua rotina de músico e como vês o futuro do teu sector a partir destas três palavras?
(JNF):
O processo de desconfinamento tem trazido novamente estas palavras à baila, mas de facto a que mais me marcou na minha rotina foi a criatividade. A rotina de muitos músicos, incluindo a minha, passa muito por esse ciclo: criatividade, produção e apresentação em palco e se por um lado os palcos estiveram fechados e produzir era muito arriscado, por outro, o tempo para criar sobrou e prevaleceu. Espero que esta semente criativa venha a dar frutos no futuro para podermos posteriormente retomar este ciclo artístico.

Quão desafiante se tornou este último ano no teu percurso enquanto músico? Como geriste a falta física dos teus pares, ao teu lado? O que mais mudou na tua perspectiva sobre o teu trabalho?
(JNF):
Estes últimos 12 meses têm sido desafiantes na perspetiva de manter as ideias no lugar já que a agenda de concertos foi totalmente perdida. De facto os tempos de confinamento permitiram uma reflexão profunda sobre o meu trabalho e acima de tudo sobre o meu foco. Comecei a não querer perder tempo com coisas que não gosto de fazer e dedicar-me mais ao que realmente me dá prazer e que no fundo mais me realiza. •

+ João Nuno Farinha
© Fotografia: Tiago Cerveira.

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