O ano de 1498 é a data da proveniência temporal deste quadro, encontrando-se hoje no Museu do Prado, em Madrid.
Albrecht Dürer nasceu nos anos 70 do século XV e haveria de viver até perto dos anos 30 do século XVI: é um dos ícones do Renascimento, retratou-se amiúde, foi um homem culto, da estirpe dos humanistas que essa época forjou, pesquisando em diversas áreas do conhecimento e mantendo uma prática artística consistente. Legou-nos, repito, vários auto-retratos que correspondem, certamente, a uma necessidade de auto-conhecimento, de perscrutação contínua, de consciência. É necessário assinalar que o Renascimento se deu o seu próprio nascimento. Considerando o “tempo” como tendo nascido tal qual os humanos, acontece que ao primeiro nascimento, provindo do útero, se deverá dar um segundo, em que nos fazemos nascer a nós próprio/as: e foi este o que aconteceu entre os séculos XV e XVI, precisamente. Daqui provimos, ainda hoje; e se agora mantemos a agonia será por referência a esse tempo, e não outro.
Desde esse segundo nascimento que o quadro manteve os olhos abertos: não é propriamente um espelho, mas antes circunscrição a ferro e fogo de uma identidade que, se a ciência tornará infinita, a arte manterá enquanto pele que abriga o Homem, novidade – o Homem, que se descobre no Renascimento. Portanto, até se pode aventar que a pintura providenciou, incansavelmente, um lugar para o Homem numa época em que a ciência despontava no seu poder ilimitado, e em que a Terra se planificaria paulatinamente até perder de vista um horizonte, aliás, sempre necessário à experiência radical do indivíduo. A arte Moderna, por seu turno, seja pela via de Paul Cézanne, seja pela de Pablo Picasso, vem instabilizar o sonho renascentista tão longevo: porque insiste nas sensações interiores e porque talha o corpo bruscamente; para o primeiro caso obriga-nos a fechar os olhos, para o segundo caso cria uma espécie de alucinação responsável pela dispersão da visão interior.
Hoje assistimos a vários avisos dados por diferentes artistas, atendo-se, todos eles, a uma recusa: esta obra de arte não sou eu. Uma obra de arte provém do íntimo e é lídimo que cauciona uma/essa intimidade. Claro que a obra de arte tem consistência e personalidade, logo porque tem corpo próprio, exterior e independente; no entanto, não será essa cautela providenciada por diferentes artistas também análoga à necessidade de ser encontrada uma identidade-reversa exacta, fixa, taxativa, essa identidade que furiosamente se busca agora? Uma obra de arte não é o artista, mas também não é quem a vê; todavia, traz em si filamentos de quem a fez, bem como carrega uma fresta esburacada por onde deve entrar, isto se quiser sondá-la, perscrutá-la, senti-la e compreendê-la, quem a “vê”.