A riqueza do terroir do Dão é enaltecida por Paulo Nunes, enólogo da Casa da Passarella, propriedade com 130 anos de história, onde a “ditadura da exuberância” não dita os vinhos e o experimentalismo vai além d’O Fugitivo.
“Fazer vinho naquela terra é uma forma de estar na vida.” A afirmação é de Paulo Nunes, responsável, desde 2008, pela enologia, na Casa da Passarella. Para o representante desta propriedade vitivinícola localizada em Lagarinhos, no concelho de Gouveia e integrada na área geográfica da sub-região da Serra da Estrela, da Região Demarcada do Dão, “interessa fazer um vinho, que reflecte o saber-fazer daquelas pessoas”, herança passada de mão em mão e de geração em geração, que tem como exemplo Lurdes Sousa, neta e filha de quem também exerceu a função de adegueiro nesta casa.
Por outras palavras, “não andamos atrás de moda”, porque “seria uma falta de respeito pelos 130 anos da Casa da Passarella”.
A prova está no Casa da Pasarella Vindima tinto 2011 (€260). Feito a partir de uvas vindimadas em várias parcelas centenárias, plantadas no solo granítico das sete vinhas da propriedade, compostas por mais de duas dezenas de castas autóctones (Baga, Touriga Nacional, Alvarelhão, Tinta Pinheira, Tinta Carvalha), este vinho foi submetido a onze anos de estágio, dos quais mais de nove ocorre em garrafa.
“O Dão passou sempre pela maturação em garrafa”, reforça Paulo Nunes, ou não fosse o tempo um aliado da produção vínica desta região. Mais ainda, “o Inverno da serra é muito importante para a estabilização dos vinhos”, particularmente para esta segunda edição do Vindima tinto – o primeiro é da colheita de 2009 –, que remete para a singularidade desta casa.
A série experimental e a centenária Villa Oliveira
O património vitivinícola é, segundo Paulo Nunes, “muito rico”. Para comprovar a variedade de castas existentes nesta região, o enólogo da Casa da Passarella afirma que “há mais para além do encruzado”. Barcelo é o nome da casta a que se refere e já constava no livro “O Portugal Vinícola”, escrito por Cincinato da Costa e editado em 1900, e também aquela com que é feito O Fugitivo Barcelo 2021 (€28), uma estreia no portefólio deste produtor do Dão e, paralelamente, nesta gama de vinhos resultante de experiências do enólogo. “É daquelas castas que merecem mais atenção”, não só pela sua antiguidade na região – comprovada pela mencionada obra –, mas também pelos seus atributos, com destaque para acidez, a frescura, além de que “foge da ditadura da exuberância aromática”.
O mesmo se aplica a O Fugitivo Curtimenta 2020 (€28) feito a partir de variedades de uva autóctones, como Encruzado, Uva Cão, Bical ou Terrantez, entre outras. “Recuso-me a chamar orange wine”, ou não fosse este processo de vinificação tradicional no Dão, que “antes, durava três ou quatro dias” na Casa da Passarella, em particular, legado que passou de geração em geração, até chegar a Lurdes Sousa, a adegueira, detentora de saber empírico e conhecimento partilhados pela equipa.
Já este O Fugitivo Curtimenta 2020 foi submetido a um processo de curtimenta e de fermentação, com a duração de um mês, o que acentuou a cor deste vinho vinho. Para atenuar o seu aspecto, Paulo Nunes esperou “dois Invernos”, para passar do tom castanho para o dourado, com que se apresenta hoje.
O Fugitivo Pinot Noir 2019 (€28) é outra das boas novas da Casa da Passarella. Vindimada de uma vinha replantada em 2008, mais abrigada e com menor exposição solar, devido à sua delicadeza e precocidade de maturação em campo, esta casta era utilizada, na década de 1930, como pé de cuba, isto é, o seu mosto era submetido a um processo fermentativo, que resultava em leveduras indígenas, utilizadas, posteriormente, noutras vinificações. Este ensaio microbiológico foi feito, na altura, por Mário Pato, o então enólogo deste produtor do Dão, para quem a Pinot Noir serviu de base na espumantização de vinhos desta casa. Hoje, esta casta tinta “dá corpo” a O Fugitivo Pinot Noir 2019.
Com mais de um século de existência, a Villa Oliveira surge, para já, com a colheita de 2019 feita a partir da casta branca Encruzado. “Temos várias parcelas de Encruzado”, as quais “são usadas de acordo com o perfil definido”. Ou seja, Paulo Nunes quer manter-se fiel ao perfil dos vinhos e à história desta casa centenária. Sobre a variedade de uva, define como sendo “amiga do enólogo”, destacando a sua frescura e o potencial dos seus aromas secundários e terciários, características que atestam o potencial de guarda deste Villa Oliveira Encruzado 2019 (€48).
Brindemos!