Marc Chagall e o voo

Na terra, no céu, com Chagall, contigo, comigo.

Querem convencer-nos de que “amor” é uma palavra gasta, enfraquecida, mole, desusada, ainda que assuste. Amor é uma palavra, sim, mas também uma bela perspectiva. “Amor” é um astro doido. Amor é um sorriso que nos recebe e consente. Amor é consentir, sobretudo. E consentir é sentir junto a alguém, ter companhia. Venham bruxas e papões, lagartos e sapos, venham patas de lagosta e penas de aves, feitiços dos mais rebuscados, dos mais escuros e densos, provindos dos fundos do ódio e do descaramento, que nunca conseguirão quebrar os encantamentos propiciados pela magia provinda do amor. O amor encarna. Perante a eterna e firme presença do amor, encarnado, tudo, mas tudo, quanto se finca nas mais escusas intenções, esmorece, cai, escorre como uma coisa viscosa, sem rosto, totalmente descaracterizada. 

O amor é pobre. Delirante, ousado, vivo, verdadeiramente vivo, mas pobre. E é nas bocas famintas que a palavra “amor” nasce como uma rosa. Não me interpretem mal: os amantes são capazes das maiores audácias. Como por exemplo: percorrer as galáxias inter-planetárias montados em cavalos alados; contar, uma por uma, as gotas de orvalho presentes na manhã de nevoeiro de uma paisagem relativamente vasta; transformar gatos pequenos, acabados de nascer, em leões com juba felpuda; provocar chuvas abundantes em anos de seca extrema. Na verdade, a imaginação do amor é inesgotável, pelo que os corações mantêm um alimento raro, mas comestível, onde comungam os amantes para sempre nutridos. E, todavia: o amor é pobre. Abstém-se de pantagruélicas refeições e pode viver apenas de pão e água, porque mantém a “rosa” redentora, a rosa que tudo resgata, para sempre. 

Existe uma grande, e obtusa, confusão entre amor e performance. Talvez porque hoje a “performance” seja uma medida que se ajusta como uma luva às aspirações da sociedade: nas estatísticas, que medem tudo e impõem a sua média que nivela e dilui o concreto, o fenómeno, o caso, o irredutível; nos índices de normalidade, que criam gaiolas onde os seres humanos são expostos perante os demais, nus, sem os véus sempre necessários e prudentes, como os que são proporcionados pela palavra, pelo gesto, pelo rito; nas sempre difundidas sugestões comportamentais, que criam uma ansiedade colectiva, mas que o indivíduo, atomizado, internaliza como se fosse um problema especificamente seu. Não, o amor não se ajusta às performances, porque: é criativo, inventivo, original, não repetitivo, único, irrepetível. E, no entanto, perdura no tempo, que esculpe de forma indiscutível. O amor cria o quotidiano e a vivência das coisas, pela forma como as toca. 

Na terra, no céu, com Chagall, contigo, comigo.

Já recebe a Mutante por e-mail? Subscreva aqui .