Reflexões sobre novos rumos para o turismo nos Açores e no mundo

Diversos acontecimentos têm marcado as últimas décadas das nossas vidas em geral e as viagens em particular. Durante um fim de semana no Pico, vários viajantes refletiram sobre o futuro do turismo. {inclui subida noturna ao Pico para estimular a criatividade}
Momento especial, quando a sombra do Pico se projeta na ilha do Faial

Sensibilização para a vertente ambiental. Açores: rumo à sustentabilidade enquanto destino turístico

Este foi o tema que juntou, ao vivo, vários membros da Associação de Turismo Rural Casas Açorianas, jornalistas e outros entendidos do setor turístico, no final de novembro de 2021, na ilha do Pico localizada nos Açores, o primeiro arquipélago no mundo certificado como destino turístico sustentável. 

O encontro esteve marcado para o final de março de 2019, mas um – mais um – grande acontecimento assolou o mundo neste século XXI. De facto, passaram apenas duas décadas e, nos últimos anos, temos vivenciado diversos episódios que têm abalado as nossas vidas e o campo das viagens em particular. Os atentados terroristas de 2001 e os outros que se seguiram espalharam a insegurança pelo mundo. Depois, veio a crise económica. Seguiu-se a sanitária. O ano de 2022 começou com ciberataques, o que numa sociedade cada vez mais digital é um acumular de desafios para o nosso quotidiano. Em fevereiro, a Rússia invadiu a Ucrânia e, como consequência, temos assistido à crise energética e ao escalar da inflação como há muito não se via.

Lajes do Pico

Em poucos meses, o mundo não para de surpreender a uma velocidade estonteante!

De facto, estes acontecimentos mexem muito com o modo de vida, em especial para quem vive em países mais desenvolvidos, com grande predisposição para o lazer e as viagens. No entanto, em nenhum momento da nossa história recente se fechou as fronteiras dos países como aconteceu aquando da pandemia, em que fomos obrigados a ficarmos em casa, encerrando, por completo, a atividade turística – das deslocações ao alojamento, passando pela restauração. 

Há um antes e um depois da Covid-19, ou seja, há uma grande diferença entre a realização deste encontro realizado em 2019 ou em 2021. No entanto, a maioria dos temas abordados já era discutida. Talvez a diferença esteja na consciencialização de que é preciso passar da reflexão à ação.

Momentos de conversa
Auditório do Museu dos Baleeiros, nas Lajes do Pico


As conversas sobre o futuro do turismo nos Açores a que assisti decorreram na tarde de sexta-feira, dia 26 de novembro de 2021, no Auditório do Museu dos Beleeiros , nas Lajes do Pico, e na tarde de sábado, dia 27, no Museu da Indústria Baleeira , em São Roque do Pico. Na primeira sessão, marcaram presença José Luís Elias, jornalista especializado em turismo, Atílio Forte, especialista em turismo, e Mário Jorge Mota Borges, Secretário Regional dos Transportes, Turismo e Energia. Na segunda sessão, o grupo de jornalistas presente protagonizou uma mesa redonda, em que cada um expôs as suas sugestões.

Museu dos Baleeiros, Vila das Lajes


A primeira sessão começa com Atílio Forte a afirmar que a Natureza estará no centro das preocupações do turismo nos próximos tempos. “Depois da pandemia, as escolhas dos consumidores vão centrar-se cada vez mais no impacto que as suas escolhas terão no meio que os rodeia”. Por outro lado, José Luís Elias declara que as coisas “não vão mudar de um dia para o outro. O que vão é surgir são novas tendências”, com destaque para as que envolvem a Natureza.

Potenciar a mais-valia de cada turista, em vez de massificar, é outro dos desafios: “vale mais ter um turista que paga por três, do que três a pagarem o mesmo”, prossegue José Luís, mas “mais importante ainda, é todos remarem no mesmo sentido”. Atílio Forte contrapões: “mas há a ditadura da procura e quem paga manda e o que não fizermos hoje, amanhã já alguém o fará. O cliente é o sol, enquanto os empresários são os girassóis, que têm de se adaptar.”

Adaptação sim, mas não a qualquer preço. Embora essa seja uma realidade em muitos destinos turísticos, quando ainda se tem um património natural como os Açores, há que, primeiro, fazer escolhas. Definir o que se pretende: massificar ou preservar? As duas em simultâneo parecem pouco compatíveis.

Museu da Indústria Baleeira, São Roque do Pico

Acessibilidade

A acessibilidade é igualmente pertinente, ganhando ainda mais relevância quando falamos de ilhas. Chegar a cada uma das nove ilhas dos Açores, localizadas em pleno Oceano Atlântico, entre a a Europa e a América do Norte, fica quase exclusivamente nas “asas da aviação”, um dos meios de transporte mais associados à poluição e ao aumento das emissões de carbono. “Gostávamos de ter uma visão, com um transporte sustentável, mas não podemos voltar atrás”, lamenta Mário Jorge Mota Borges. “O sistema à vela não é compatível.”

As ligações entre ilhas, os reencaminhamentos, bastante desiguais, nomeadamente na época baixa – basta recordar que, para chegarmos ao Pico, tivemos de fazer uma escala nas ilhas São Miguel e na Terceira, viagens que demoraram mais de sete horas – e os seus custos são temas associados e assinalados.

Moinho na Madalena


A liberalização da acessibilidade pode, por outro lado, levar à implementação de grandes estruturas hoteleiras que poderão colocar em causa o equilíbrio ambiental. Mais uma vez, impõem-se a escolha entre massificar ou preservar?

Certo é que por enquanto, nas nove ilhas do arquipélago não falta espaço para as mais variadas experiências na Natureza, mesmo para os amantes de sol e praia. A origem vulcânica proporciona diversas fontes, termas e piscinas naturais de água quente, seja verão, seja inverno, seja em terra, seja no mar. É um trunfo de diferenciação, que deve ser tido em conta na escolha.

“O turismo está associado a uma indústria que move massas a baixos custos. Os Açores são um território que resistiu à erosão provocada pelo desenvolvimento tecnológico, que levou ao aumento da população e este é o maior ativo das ilhas açorianas”, afirma Mário Jorge Mota Borges.

Para minimizar o impacto das deslocações, democratizadas com o advento, as viagens low-cost, demasiado banalizadas, talvez seja necessário pensarmos numa abordagem diferente: fazer menos viagens, mas mais prolongadas e com tempo. Trocar as várias escapadinhas de fim de semana, feitas ao longo do ano, por uma viagem de várias semanas. A vulgarização do trabalho à distância facilita e já estou a imaginar-me duas ou três semanas a conhecer todas as ilhas açorianas! Mas, como não gosto de ficar fechado em casa o resto ano, aproveito para, aos fins de semana, conhecer a cidade onde vivo e a vizinhança. Quiçá novos paradigmas de trabalho e de lazer.

Lagoa do Capitão, São Roque do Pico

A sustentabilidade ambiental, económica e social

A sustentabilidade só o é se simultaneamente se garantir o desenvolvimento económico focado na melhoria do nível de vida das populações, e a preservação do ambiente e dos recursos naturais, assim como, a distribuição dos rendimentos provenientes da indústria turística por todos, de modo a satisfazer as necessidades de todos sem comprometer as gerações futuras.

Prova de aguardentes “caseiras”, proporcionada por amigo de infância que se apaixonou pela ilha (e não só) e por lá fixou raízes. A destilação foi e parece que continua a ser uma atividade económica importante, na ilha do Pico. Segundo apurei, em 1889 existiam 34 alambiques no concelho da Madalena. Um tema a explorar numa próxima visita.


Para isso, é muito importante a cooperação entre todos os atores económicos, dos produtores aos comerciantes, das agências de viagens aos guias locais. A propósito, no primeiro almoço desta visita ao Pico, num conhecido restaurante das Lajes do Pico, a sugestão vínica foi um entrada de gama de uma região de Portugal Continental. Nada contra os vinhos dessa região, que bem conheço e tem grandes vinhos, mas a Ilha do Pico também os tem. Não irá melhor a gastronomia local com algo que é produzido aqui? Além da sustentabilidade ambiental (menos transporte de produto) há a sustentabilidade económica. Cada garrafa produzida e consumida localmente significa que grande parte do valor fica na comunidade. Vendida a turistas é uma exportação com valor acrescentado e isto é válido para tudo o que é produzido localmente, podendo ser um forte incentivo para aumentar a produção.

Museu do Vinho da Ilha do Pico , na Madalena


Esta forma de agir poderá enquadrar-se no Turismo Regenerativo, conceito que, não sendo novo, começa a ganhar novos adeptos, e sobre o qual nos fala Luis Capdeville Botelho, CEO da Visit Azores, num artigo de opinião, publicado pelo ‘Açoriano Oriental’, na revista das ‘100 Maiores Empresas’ e que poderá ler aqui . É uma das respostas às questões “o que o turismo pode fazer para contribuir para a saúde e bem-estar da região e da sua população? “Como é que podemos construir um turismo que entregue um benefício efetivo às comunidades anfitriãs que servem o visitante?”. Em vez da tradicional “O que é que esta região pode fazer pelo turismo?”.

Momentos de lazer e pico alto da viagem


Para pensar é importante viajar e viajar é conhecer. Foi também um pouco disso que tentamos aproveitar nesta passagem pela ilha do Pico. 

Subir ao Pico, sempre é possível? Conseguimos encaixar neste programa completamente preenchido? Foram as primeiras perguntas que fiz aos anfitriões assim que aterrei na ilha do Pico. Sim! Segundo as previsões vai estar uma noite excelente para chegar lá cima e ver o nascer-do-sol. Subir de noite? Bom, se o entusiasmo de poder subir ao ponto mais alto de Portugal já era grande, maior ficou e nem as previsões de 5º C negativos arrefeceram o espírito. ‘Bora lá! Quantos são? Não sei, mas pergunto aos colegas: Quem quer subir amanhã à noite ao Pico e ver o nascer-do-sol? A principio houve muitos entusiastas, mas, há medida que o cansaço se acumulava e a hora se aproximava, vários foram desistindo.

Minutos antes da hora marcada – duas horas da manhã –, no estacionamento da Casa da Montanha, a 1200 metros de altitude, lá estávamos os quatro resistentes, que não sabiam muito bem no que se iam meter. Uma vantagem: como estava escuro, o que nos esperava não era perceptível. Foi um completo tiro no escuro.

Renato Goulart , foi quem nos acompanhou e encorajou até ao final da aventura, subida e descida, ao ponto mais alto de Portugal.
Sempre bem humorado, é um genuíno picaroto com orgulho na sua terra!


Pouco depois, chegou Renato Goulart, guia, que, até ao momento, tinha subido 2 613 vezes aquela montanha com 2 531 metros. Esta foi a 2 614 e o grupo era fantástico!

Feitas as apresentações, chega a hora de equipar e subir ao Pico, depois de um dia intenso, em que a última vez que vi a cama foi às seis da manhã do dia anterior… Com 45 anos e pouco adepto de diretas, esta facilmente ficou na memória e como a melhor de todas! Objetivo? Caminhar a passos largos, porque há hora marcada para chegar antes do nascer-do-sol e ele não espera por ninguém.

Nascer-do-sol no “Piquinho”, uma formação geológica localizada 70 metros acima da cratera da montanha do Pico, a mais alta de Portugal com 2.351 metros


A subida é mais ou menos difícil, em função da preparação física e psicológica de cada um. O grupo, bastante heterogéneo, conseguiu chegar lá cima, com um sorriso de orelha a orelha. Para os que tiveram mais dificuldades, estas desapareceram assim que o sol penetrou no “mar” de nuvens, que se preguiçava sobre o Atlântico. As imagens falam por si.

Aldeia da Fonte, hotel onde ficamos alojados, localizado nas Lajes do Pico


O próximo encontro das Casas Açorianas está marcado para o inicio de 2023. Até lá, boas viagens!

Casas Açorianas é uma Associação de Turismo Rural que nasceu da necessidade de promover um conjunto de estabelecimentos hoteleiros nos Açores e da criação de um segmento único no turismo destas ilhas. Galardoada com a Medalha de Ouro de Mérito Turístico pelo Governo Português em 2008, as Casas Açorianas reúnem, atualmente, cerca de cinquenta associados e mais de uma centena de casas espalhadas por todas as ilhas dos Açores.

• A Mutante viajou a convite das Casas Açorianas

© Fotografia: Ricardo Junqueira

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