Jogar música, a cores, com Desidério Lázaro

Desidério Lázaro – saxofonista e compositor – é nome a ter debaixo do ouvido, sem demora. Em 2015, regressa com um novo trabalho, o seu 4.º de originais, um jogo de notas bem artilhadas. Falamos de: “Subtractive Colors”.

Se quando o álbum nos cai na mão o título nos pode levantar indagação… Ao ouvir, de fio a pavio e sem pausas, “Subtractive Colors” é título óbvio, que nos leva a culpabilizar qualquer dúvida que possa ter existido. Para quem sobre a cor estudou ou curioso é, saberá, certamente, o que são cores subtractivas. Simplificando, lembre-se das três cores primárias aditivas que lhe dão o RGB (red-green-blue); agora mergulhe na memória da teoria da cor e recorde as cores primárias subtractivas RYB (red-yellow-blue; hoje adoptado por CMY – cyan-magenta-yellow), crie, na sua imaginação, o círculo cromático onde cores são deduzidas a partir de outras de modo a nunca ter um momento branco. Sim, é bem mais complexo e extenso que o escrito atrás, o jogo da cor, mas também o é a música de Desidério Lázaro. Complexamente rica, num espectro extensamente colorido, onde as ondas de luz que nos dão a cor são mais do que apenas jazz.

Olhando como se um quadro fosse, “Subtractive Colors” é, a cada pincelada sentida (12 no total), o inesperado. Há jazz definido, mas há igualmente laivos rock, funk, há aquelas vozes que encerram o álbum com chave groove de ouro. À paleta de estilos, juntamos os instrumentos perfeitos, tocados por quem sabe. Por fim, para terminar a pintura, algo que dá uma singularidade exquisite ao quadro: os videojogos, onde a cor não falta. Jogamos assim, na música de Desidério Lázaro, a cores.

© Desidério Lázaro por João Hasselberg.

Comecemos pelo início. Como vem parar ao teu jazz este universo dos jogos? Influência natural ou uma clara intenção de explorar novos horizontes musicais?
Sou fã de jogos desde criança. A dada altura, numa altura de mais “seriedade académica”, deixei de jogar de uma forma assumida, não comprei consolas, etc. Uma das vantagens de ser adulto é poder gastar o meu dinheiro onde me apetece e, rapidamente, também por força da minha namorada (ela própria fã de videojogos), acabei por sucumbir aos mundos infinitos dos videojogos.
Fascina-me a capacidade que têm de me fazer desligar da realidade e, ao contrário de outras artes que consumo como o cinema, trata-se uma actividade que depende do meu contributo para que aconteça. No mesmo sentido, a própria música tem um papel distinto. As emoções, nos jogos que mais gosto – os que me permitem explorar livremente, não estão condicionadas a um espaço temporal, a um frame. Nesse sentido a música também acontece de outra forma, menos progressiva, mas igualmente assertiva.
Quando comecei a escrever este disco nunca imaginei que grande parte fosse acerca de videojogos, mas não escondo que a enorme quantidade de personagens disponíveis nesse imaginário me deram inspiração.

Videojogos, Nintendo e sou do tempo do Spectrum. Perdoando à partida a heresia e o humor, se eu dissesse “levanta-te e joga”, qual o jogo para jogar num fim-de-semana non stop, com o teu álbum no ar?
Também sou do tempo do Spectrum. Com o álbum no ar teria de ser definitivamente um jogo de aventuras, um role-playing-game. Para non stop a minha escolha recaíria no Xenoblade Chronicles.
Saio do Freecell, agarro no Google e vou ver destas crónicas. Tudo se aprende na música, até sobre jogos.

Se pudesses escolher um dos diabos imortais do jazz para regressar, por um dia, ao som de “The Evil Awakens”, quem seria o diabo que desafiarias para “The final battle” de um jogo?
Chamaria o Coltrane, e claramente perderia todas as vidas com ele, tal a veneração.
Compreendo. Com ele perderia todos os montes de um jogo de Canasta. 

© Desidério Lázaro por Sofia Lima / Pormenor.

O teu álbum mostra um equilíbrio perfeito – composição/ interpretação. Do início ao fim uma linha condutora que nos surpreende, e bem, em vários momentos. “Subtractive Colors” onde há uma ausência do branco. De que cor é afinal este jazz e por quê ir ao exercício das cores subtractivas?
Porque quero fugir do jazz com um cariz mais solístico. “Subtractive Colors” porque todos somos um, uma banda. Com igual destaque. Quero que a música fale acima do solista e do solo. Quero ser claro com a linguagem melódica, quero chegar a todos os amantes de música. Quero fundir o jazz com as cores que me acompanharam desde o início, o fascínio pela música clássica, o mais que enraizado rock dos anos 70, o delírio pelo dançável funk. Quero deixar de ter preconceitos e tornar-me músico de todas as músicas. Ainda tenho tempo, ando a tocar chorinhos agora. Depois logo se vê quais cores se misturarão para próximos desabafos.
Por mim, venha um Pantone de notas, criado por ti.

bugs que nos (en)tramam os pc’s e consequentemente os jogos. Ao teu ouvido, o que seria ou são bugs na cena musical?
O preconceito é o maior bug de todos, assim como a divisão da “música” em “músicas”. E assim se estragam ouvidos e relações e músicos e músicas. Isso leva a outro bug terrível, a desonestidade, artistas com medo de se expôr, ou músicos com medo de ser artistas. É preciso coragem para fazer “reset” no jogo e recomeçar de novo, após o bug.
É bom conversar com músicos que, como tu, são livres no ato criativo.

A sétima arte está, também, presente na influência e no encaixe de algumas composições, para uma cena, comme il faut, de perseguição gangster. Para que realizador não hesitarias em compor uma banda sonora?
Gostava de fazer música para o Kubrick e para o David Lynch, embora o meu herói das bandas sonoras seja o John Williams.
Mais uma vez, aprecio a honestidade desmedida. Kubrick ou Lynch: gente diabolicamente grande. Bravo.

© Desidério Lázaro por João Hasselberg.

Existe esse desejo, de criar banda sonora jazz, para a sétima arte?
Adorava poder improvisar sobre filmes, abstratos ou não. Por outro lado, é claramente um dos meus sonhos, poder musicar um filme com supervisão do realizador-artista, servir a ideia visual, fundir. O cinema é a minha arte favorita pelas possibilidades que tem, pelas artes que mistura. A minha escolha por ser músico é pela possibilidade de ser performer e pela imprivisibilidade que representa.
Aguardo por esse filme, um dia.

Por fim, tens a trupe que tens como convidados. O porquê de emprestares o joystick a cada um deles e de os deixares jogar contigo, neste teu 4.º álbum?
São pessoas disponíveis para as viagens, a maior parte delas conheço há vários anos e sei que posso contar com a imprevisiblidade deles, a sua visão (diferente da minha), adicionam cores de forma espontânea, sem comprometer a visão original, e isso é um luxo, um privilégio de poder contar com eles.

Para quem ainda não sabe, a trupe é constituída por Desidério Lázaro – saxofone tenor e soprano; João Capinha – saxofone tenor e alto, flauta; Paulo Gaspar – clarinete soprano e baixo; Mário Franco – contrabaixo; João Hasselberg – contrabaixo e baixo elétrico; Luís Candeias – bateria; e ainda Carolina Varela e João Neves – vozes em ” Subtractive Colors”.

Sem gongorismos, sem rodeios, sem mais palavreados desnecessários de cor, jogos ou cinema, “Subtractive Colors” é álbum a ter de ouvir e Desidério Lázaro nome obrigatório na cena musical. Bons sons, belas jogadas! (O álbum está disponível, gratuitamente, aqui ). Play it, Mr. Lázaro. •

+ Desidério Lázaro
© Fotografia de destaque: Desidério Lázaro por João Hasselberg.

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