O nome não poderia ser outro ou não fossem estas paredes e este chão o palco de muitas das artes de dentro de portas reunidas no antigo Museu Industrial e Comercial do Porto, pelo então diretor, Joaquim de Vasconcelos.
Ao todo são 309 as peças pertencentes a instituições museológicas nacionais e municipais, e a coleções privadas, que compõem todo um cenário de cunho português, das quais “algumas são originais do Museu Industrial e Comercial do Porto (MICP)”, acrescenta Bárbara Coutinho, diretora do MUDE – Museu do Design e da Moda, em Lisboa, quando fala sobre este “Museu Infinito”, a exposição fragmentada em 14 núcleos, patente no piso 1 do MUDE, desde o passado dia 15 de janeiro, e que faz parte do programa de 2015, .
Fruto de um trabalho que demorou dois anos até chegar aqui, o “Museu Infinito”, que aborda o espólio cultural e identitário do MICP (1883-1899) – fundado por iniciativa do então ministro das obras públicas, comércio e indústria, António Augusto de Aguiar, estando dividido pelas áreas industrial e comercial, tal como o nome indica, e estas, por sua vezes, fragmentadas pela produção nacional e estrangeiras –, conta com a curadoria de Sandra Leandro, doutorada em história da arte contemporânea pela Universidade Nova de Lisboa, com a tese sobre o museólogo, historiador e crítico de arte Joaquim de Vasconcelos(1849-1936).
Sandra Leandro é, por conseguinte, “a curadoura certa”, nas palavras de Bárbara Coutinho, que fala sobre o merecido reconhecimento do desempenho de Joaquim de Vasconcelos, pela sua “visão e amplitude” que demonstrava, representando o país através das suas regiões, enaltecendo o trabalho do homem do campo, que criava objetos com uma componente histórica interessante, “a matriz da criação de museus de artes aplicadas às indústrias e às artes decorativas”, nas palavras da diretora do MUDE.
Hoje, “quando se fala de reindustrialização do país importa olhar para a nossa cultura popular e para a ligação desta com o design contemporâneo”. Porém, esse mesmo vínculo circunscreveu, durante muitos anos, um hiato na história das artes, o que resultou em “sérias consequências económicas e sociais para o país”, justifica Bárbara Coutinho.
“Não se faz história sem um lápis”, Joaquim de Vasconcelos
A croça é a capa feita de colmo que os habitantes das serras, outrora, usavam
A frase está inscrita na apresentação da exposição ou não fosse o desenho a base de todas as peças, de todos os objetos, de todas as criações feitas pelo Homem. E é nele que se estabelece o ponto de partida do roteiro deste “Museu Infinito” que enaltece a manufatura em 14 núcleos, seguindo uma paleta de cores, do rosa ao negro, com o objetivo de enaltecer o caráter etnogénico das peças aqui representadas. Afinal, “é nas mãos do povo que está a nossa riqueza” exalta Sandra Leandro.
Comecemos pelo núcleo simbólico composto pelo jugo – peça de madeira trabalhada e que era ajustada ao cachaço do ou dos bois, por forma a justapor os animais ao carro ou ao arado utilizado para lavrar a terra –, pelo banco e pela luminária, numa alusão à oficina onde eram feitos os trabalhos de raiz etnogénica, onde foram dados os primeiros passos para o progresso da indústria e do comércio no país.
Ao lado a “chapelaria” ou o desenrolar de um ofício de mestre, desde a matéria-prima ao resultado, passando pelas respetivas formas. “Foi das primeiras indústrias que teve a noção da importância de um museu industrial”, diz-nos a curadoura da exposição, que chama a atenção para o chapéu cedido para esta mostra por parte da centenária Costa Braga & Filhos, no Porto.
Passemos ao terceiro núcleo, onde peças de renda de bilros, da coleção particular de Joaquim de Vasconcelos, foram colocadas ao lado de uma rede sardinheira –proibida no presente – de pesca, uma analogia ao exímio trabalho feito à mão das mulheres das cidades e aldeias piscatórias de Vila do Conde, Peniche, Setúbal e Fuseta e dos homens do mar.
No quinto núcleo está a cerâmica, a arte popular evoluiu para uma tradição erudita, com a centenária Vista Alegre cuja ligação com o desenho é visível nesta exposição e o empenho de Joaquim de Vasconcelos se traduz “pelo gosto das formas ancestrais que se mantiveram mostrando, assim, a vitalidade produtiva do país”, explica Sandra Leandro durante a visita.
Já o núcleo do traje – o sexto – apresenta-se com a indumentária tradicional da mulher de Viana do Castelo, peça a peça, numa composição em que entra também a capa de honras do trajar de Miranda do Douro e a croça, a capa feita de colmo que os habitantes das serras, outrora, usavam.
De novo nos utensílios, o núcleo de olaria representa a mais antiga coleção de olaria popular de Portugal, com um mealheiro antigo, o Lisboa – peça utilizada, outrora, para fritar ou cozer alimentos de pequena dimensão –, a bilha de bico invertido, o canudo para toupeiras – uma vetusta armadilha para apanhar aquele animal –, entre muitos outros objetos feitos em barro.
Da olaria popular passamos para a faiança de Rafael Bordalo Pinheiro interpretada pelo humor do fundador da fábrica com o mesmo nome nas Caldas da Rainha através do jogo entre a sopa e o chá, complementados pelos desenhos do próprio.
De Portugal viajamos para Angola, num tempo em que o país africano era uma colónia portuguesa, representada por objetos feito em madeira complementados por um arquivo de madeiras (xiloteca), o qual pertence ao Jardim Botânico Tropical, em Belém, Lisboa.
O nono núcleo pertence, por sua vez, à arte de bem fazer o jugo, às formas e ao detalhe deste ornamento/utensílio usado pelos bois no campo.
Depois a faiança, com peças do Museu Nacional de Soares dos Reis, no Porto, seguida pelo núcleo dedicado à loiça de Sacavém e, já no 12.º núcleo, pela arte saída da Fábrica de Cerâmica das Devesas, em Vila Nova de Gaia, que se encontra em ruína.
Antes de terminar a mostra, estão patentes peças de roupa interior branca da extinta Fábrica Confiança, na rua de Santa Catarina, no Porto, cujo fecho ficou registado ficou na história do cinema português sob o título “Saída do pessoal operário da Fábrica Confiança”, um filme de Aurélio da Paz dos Reis e Francisco de Magalhães Bastos Júnior, o qual passa no ecrã colocado neste núcleo expositivo.
Chegamos, por fim, aos objetos de vidro oriundos, também, do Museu do Vidro da Marinha Grande dispostos numa vitrine, como se de uma redoma se tratasse, por forma a “proteger” tão frágeis peças cuja manufatura traçada pelo saber fazer entrou em decadência, daí a predominância da cor negra que recai neste ponto final do “Museu Infinito”, o testemunho de um passado que permanece nos anais do país, para “que não ser perca a nossa seiva”, remata a curadoura Sandra Leandro.
A exposição “Museu Infinito”, que será completada por um livro, debates, workshops, a decorrer durante o mês de fevereiro de 2016, está patente desde o passado dia 15 de janeiro e encontra-se patente no piso 1 do MUDE até 27 de março de 2016. A visitar de segunda a domingo, das 10 às 18 horas. A entrada é livre. •
+ MUDE – Museu do Design e da Moda
Legenda da foto de entrada: O primeiro dos 14 núcleos que compõem o “Museu Infinito”
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