Inicia-se, pelo retrato agora traçado para a artista Xana Abreu, uma série de retratos, precisamente, paulatinamente apreendidos em conversas generosas tidas com o/as futuramente aqui plasmado/as nestas fisionomias.
Paço com Arte #1, no Conimbriga Hotel do Paço, em Condeixa-a-Nova, que decorreu entre 15 e 21 de Outubro transactos, foi a ocasião, também, para que ocorresse uma Tertúlia sobre Arte, aliás, momento que abriu a Residência Artística onde confluíram Xana Abreu, Victor Costa, Juan Domingues e Pedro Figueiredo: a assunção da pintura e da escultura, sem paredes a resguardar os/a artistas de quem observasse. Em tal Tertúlia, cada um/a proferiu afirmações tão interessantes, e convocantes, ao ponto de querer com eles/a conversar, aprofundando alguns pontos de vista. A disponibilidade não se fez esperar e, tal como partilharam o espaço durante 7 dias, os/a artistas viriam a sentar-se comigo de 16 a 19 de Outubro, cada um/a em dia particular, para precisamente indagar acerca do que tinham afirmado, ou a partir daí formular outros pensamentos. Assim, do de Xana Abreu passar-se-á ao retrato de Victor Costa, sucedido do de Juan Domingues, ao que se segue o de Pedro Figueiredo.
Xana começou por vincar, no início da sua intervenção na Tertúlia, e ainda enquanto se faziam as apresentações, que não é apenas artista plástica, revelando um interesse acentuado pela música e pelo vídeo: se as primeiras são um oxigénio para viver, a segunda emparceira em questão de essencialidade, e urgência. “Artista da cassette pirata” como se definiu, com humor, numa rememoração da infância, em que explicou que fazia as suas roupas e demais coisas com que brincava, indo-se entranhando a arte como uma espécie de hábito, com a tónica no que é “novo”. Além dessa actividade criativa, Xana dir-nos-ia que desde pequenina tem por “hábito” dar vida aos objectos inanimados, segredo que traz consigo não sem algum impacto perplexo, pelo que quando pinta emoções e sentimentos, num apelo da vida e à vida, na verdade está a fazer ressoar tal dom secreto: daí, olhos que falam e bocas que se abrem para nos contar histórias nos seus quadros de cor hilariante. “A minha arte é aquilo que eu sou”: afirmou!
Marca? “Não!” Respondeu, peremptória, quando conversámos. Assume a sua dispersão criativa, mas o impulso vem de lugar análogo: uma “bolha” inevitavelmente constituída por solidão. Aliás, como acentuou, quando, durante a formação em Pintura na ESBAL, tinha de defender um trabalho fugia: porque existe algo de íntimo no que faz. E 10 anos de Xana Toc Toc, projecto em que a música é fermento e a exposição pública uma constante, não diluíram a solidão inerente ao processo de criação, embora talvez tenham derradeiramente contribuído para que não hesite quando grita: “Para mim a vida é música.” Pode-se mesmo concluir que Xana Abreu vê na música e ouve o que pinta. 10 anos de Xana Toc Toc, em que a música tomou conta de si, pese embora, também ditaram um certo afastamento das artes plásticas e visuais, às quais pretende agora regressar com dedicação: pintura, escultura, instalação, vídeo. Ou seja, a sua assumida dispersão criativa. Na realidade, quem sonha que voa, quem imagina amores puros, quem tem paixão pelas aldeias, quem acorda bichos-papões, ou com eles dorme, quem defende a criança, quem convive com monstros à solta … cria novos mundos e fixa um planeta próprio, como vinca, concreto, para os quais uma só forma disciplinar de expressão não se afigura sustentável.
Procurando a sua verdade interior, Xana pretende-se sincera em reflexo consciente e perseguindo o desejo de liberdade. Talvez relacionado com o seu “medo do fim”, pinta mundos onde gostaria de viver e faz por congelar o tempo na arte, como se nesta o tempo pairasse e de tais mundos emanasse paz pela flutuação. Defende a diversidade, o que nas suas obras se detecta pela coexistência: tanto na cor, que é profusa, como nas formas, que são simultâneas. “Agarrar o instante”, disse, um “frame” congelado para fazer face ao “medo do fim”. Nesta perspectiva, a artista crê que a obra lhe sobreviverá e, nela, procura fixar uma atmosfera exalante. Desde há 2 anos que vem consistentemente trabalhando em três séries, essencialmente pictóricas, mas que, tendo em conta o seu desejo de expressão, poderão algures no tempo derivar para outras formas: “Na tua pele”, “150 sonhos” e “Da minha terra”. Em Condeixa pintou, mas…também voou: afinal, um dos sonhos mais persistentes que recorda (aqueles em que voa!). Cada letra, cada folha de árvore, cada asa de bicho, cada cornucópia, cada signo que desenha na pele das mulheres que fixa com acrílico nas suas telas é também, e só poderia ser, um convite irrecusável para penetrar no inconsciente: o dela, o da imagem e o nosso.
A pele, como se sabe, é o que de mais profundo existe …