“Entr’acte”, com Antoine Pimentel

Entrecortada pelo confinamento, “Entr’acte” é uma ex-posição a que Antoine Pimentel dá (o) corpo, cuja curadoria coube a Sílvia Guerra, e que até 9 de Maio permanecerá no Museu Municipal de Coimbra / Edifício Chiado. 

Desde o primeiro confinamento, em 2020, que não escrevo sobre uma exposição efectiva, em tempo real; “Entr’acte” recupera essa prática e não poderia encontrar melhor ocasião para que tal acontecesse. Além das questões que as fotografias de Antoine Pimentel me colocaram e se instalaram permanentemente, tive o privilégio de me ser concedida uma visita guiada pelo artista ao som de um entusiasmo, de uma vivacidade, de uma frescura, de uma sinceridade, de uma alegria, verdadeiramente edificantes. Os debates na nossa actualidade pontuada pelas toadas ziguezagueantes da comunicação a metralhadora terminam tão depressa como começam em ápices, e parece que longe já vai o tempo em que se discutia a questão da obra e do/a artista. Não tenho qualquer dúvida quanto à obra de arte ser o enclave: está entre a criação e a fruição, e deve ser trazida para o centro da percepção, da discussão, da elucidação. Aliás, o buraco negro provocado pela morte de Deus, pela morte da Arte/da obra, foi ocupado pela figura vacante do/a artista como garantia, como marca, mas naquele sentido em que um nome se sobrepõe a outra coisa que a arte tão especialmente faz, e que a caução da autoria/dade ludibria. 

Esta é a segunda exposição individual de Antoine Pimentel, e resulta de dois anos de um trabalho solitário. Além do ainda pequeno lastro enquanto fazedor de imagens, Antoine é autodidacta, embora tenha frequentado Arquitectura – de que herdou um gosto pelo desenho e por todo um trabalho, digamos, preparatório; por outro lado, é filho de artistas, e embebeu, sem dúvida, nessa criatividade; passou pela História da Arte, mas seria nos Estudos Artísticos que se formaria, na variante de Teatro. A sua presença nas fotografias de “Entr’acte” é um móbil existencial, é uma pesquisa formal, é uma interrogação da identidade, mas é também um jogo construtivo incansável, como o é, sempre, a arte na sua busca incessante, na sua vontade de mais e de melhor, tal como Antoine vinca. O olhar deste fazedor de imagens tanto está dentro – da caixa negra, o suporte onde as imagens se vêm inscrever, como vem para fora, ao confrontar-se com as séries já fixadas pela impressão e expostas nas paredes do Museu Municipal de Coimbra / Edifício Chiado, dele precisamente dando-nos conta. Pese embora, durante um ano recusava não uma, não duas, mas inúmeras imagens engendradas no suporte da caixa negra, o que prova, de facto, que o vazio mais vazio, aqui reportado à caixa negra, afinal, está saturado de lugares-comuns, tal como não se escreve numa folha derradeiramente branca, tal como para pintar de facto escava-se, enunciando-se um esforço de arqueologia crítica, inventiva, surpreendente. Gostaria de ressaltar a importância desta arqueologia crítica que me parece ser, realmente, uma característica primordial da criação na arte, e que bem poderia servir de aviso, e medida, para o nosso quotidiano.

As séries constantes de “Entr’acte” são todas, sem excepção, de uma potência avassaladora, tanto que me parece, sem dúvida, que o espaço é pequeno para albergá-las em simultâneo: convivem, digamos, aparatosamente sólidas, e seria preciso fecharmos os olhos entre cada uma delas, embora depois se infiltrem em bloco na memória. O acto prestidigitador logo anunciado por Antoine Pimentel, a atestar a construção implacável que a arte proporciona, repercutir-se-á ao longo de percurso, como se fossemos acompanhando as peças de um dominó a tombar consecutivamente. E se o manto preto se afasta perto do fim é apenas para demonstrar que entre a chamada realidade e o que a arte constrói, afinal, estamos apenas a um passo de uma espécie de repetição: de ciclos sucessivos? Eterno retorno? Talvez não seja exactamente isso, mas sim a vontade de mais e de melhor, que Antoine vincou. Pelo que a nós apenas cabe esperar que nos dê, quando puder, mais, porque o melhor já está sem dúvida lá/aqui.

Para ver, portanto, no Museu Municipal de Coimbra / Edifício Chiado, Rua Ferreira Borges, em Coimbra, até dia 9 de Maio.


© Fotografia: Antoine Pimentel

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