Qualidade, criatividade, preço. Qual o futuro da restauração? / Chef Vítor Adão

Mostra o(s) seu(s) Plano(s) à cidade de Lisboa e ao mundo, seja na esplanada, seja no interior, depurado e contemporâneo, como os seus pratos enaltecidos pelos produtos, enaltecidos pelo respeito pela (nossa) identidade que, a partir de 3 Maio, poderão vir a ser degustados, também, ao fim-de-semana.

Vítor Adão, natural de Chaves, oficializa a tarefa de cozinheiro na Escola dos 2.º e 3.º Ciclos Professor José Ribeirinho Machado, em Vilarandelo, no concelho de Valpaços, e dá continuidade na Escola de Hotelaria e Turismo de Mirandela, no distrito de Bragança. Já no currículo, soma experiência nas cozinhas do DOP e do DOC, respectivamente, no Porto e em Folgorosa, no Douro, do chef Rui Paula, do Ocean, restaurante do Vila Vita Park, e do Vila Joya, no boutique resort homónimo, ambos situados em terras algarvias, além do 45 Park Lane, em Londres, e do grupo 100 Maneiras, representado pelo chef Ljubomir Stanisic. O trabalho de consultoria surge mais tarde, na Quinta do Arneiro, em Azueira, no concelho de Mafra. Em 2019 abre Izakaya Tokkuri, restaurante pop-up do Bairro Alto lisboeta, e entrega-se à curadoria da rede Tabernas do Alto Tâmega, trabalho cuja essência faz parte, actualmente, do seu Plano, restaurante localizado no n.º 28 da Rua da Bela Vista à Graça, em Lisboa onde, desde Agosto de 2019, mostra as suas raízes de forma aprimorada em cada prato.

A que se dedicou a fazer durante estes últimos meses?
No início do confinamento, optámos por fechar durante duas semanas. Sentimos que era a decisão certa, tendo em conta a situação em Portugal naquela altura, com tantos casos. Quisemos não só proteger a nossa equipa do vírus, mas também dar-lhes algum tempo para descansarem, estarem com a família e voltarem ao trabalho com a energia certa, motivados e descansados. No meu caso, não me lembro da última vez que tivesse estado duas semanas sem estar no restaurante. Não consigo ficar parado, por isso aproveitei esta pausa para ir, também, a casa, à minha aldeia, perto de Chaves, e produzir os meus enchidos, com porco Bísaro. É uma tradição da minha família e de muita gente na região. Trouxe-os para o Plano, vendemos para todo o país e, em dois dias, estavam esgotados! De resto, embora tivéssemos de portas fechadas, mantivemos o Plano C, o serviço de take-away e delivery do Plano, em funcionamento durante o fim-de-semana. 

Houve tempo para pôr em prática o que anteriormente lhe era impossível?
Sim, apesar de termos o delivery e o take-away aos fins-de-semana. Consegui fazer coisas como pequenas (e não tão pequenas) obras em casa, passar mais tempo com a minha família e jantarmos juntos (que é uma raridade), cuidar da nossa horta… São pequenas coisas que, no dia-a-dia, raramente consigo fazer.

Se lhe pedisse para falar sobre o seu percurso profissional, o que diria acerca destes 12 meses?
 Duro. Muito duro! Do choque inicial ao cansaço de ver a situação arrastar-se ao longo do tempo, a frustração de não poder fazer o meu trabalho, a ansiedade e os receios pela parte financeira… Foram 12 meses muito difíceis. Mas que também tiveram momentos felizes: o primeiro aniversário do Plano, em Agosto, a forma como os clientes continuaram a apoiar-nos através do take-away e do delivery, a atitude da equipa, que nunca desistiu! Foram coisas como estas que permitiram sentir que não estamos a lutar em vão. Acredito mesmo que o que não nos mata, torna-nos mais fortes. E eu sinto que saímos mais fortes deste ano, mais prontos para a luta, mais resilientes. E com uma enorme vontade de compensar (com todas as regras de segurança) tudo aquilo que perdemos nestes meses.

Desesenvolveu pratos/criações para a nova temporada?
Sim. A sazonalidade é uma parte essencial da minha cozinha e, portanto, os menus do Plano sempre mudaram regularmente. Mas depois de tanto tempo encerrados, quero muito fazer um menu que celebre este regresso, com produtos excepcionais, sem me afastar daquilo que é a essência da minha cozinha e da cozinha do Plano. Estamos a pensar lançá-lo assim que o tempo – e as regras – nos permitirem estar de volta em horário completo ao jardim, a partir de Maio. 

Que novidades pondera incluir nos menus de degustação e na carta do Plano?
O Plano já reabriu dia 7 [de Abril]. Estamos a funcionar com dois menus degustação, de cinco e nove momentos que vão buscar muito daquilo que são os pratos-assinatura do Plano. Foram quase três meses sem os podermos servir e senti que era a forma certa de voltar a receber os clientes: com algo familiar, quase como um abraço. O rissol de berbigão, a cabeça de xara, o Momento Português, a corvina com molho de espumante… São tudo pratos mais que consolidados e que quis ter na reabertura.

Vai implementar mudanças na sua cozinha, no sentido de abranger um público mais lato ou a estratégia é cingir o serviço a um grupo mais restrito de clientes? Como explica esta decisão?
Não temos nenhuma mudança estratégica planeada. Vamos manter o Plano C em funcionamento, aos fins-de-semana, e queremos lançar novos produtos para take-away e delivery em breve, pensados para os dias mais quentes que se aproximam. A cozinha que fazemos vai manter a mesma linha, a mesma identidade, que é a minha. E queremos continuar a receber todos os que nos queiram visitar, mantendo a mesma diversidade que tivemos até agora: clientes de todas as idades, nacionais, estrangeiros. Clientes que procuram comer bem, beber bem e passar um bom momento. 

Qualidade. Criatividade. Preço. Como é a sua cozinha e como vê o futuro do sector da restauração a partir destas três palavras?
A qualidade é a base de tudo. Não pode haver boa cozinha, seja ela de inspiração tradicional, de fusão, asiática, seja o que for, sem qualidade. Os produtos não mentem. E a forma como nos dedicamos a eles também não. Em vez de criatividade, prefiro pensar em identidade. Eu parto de quem sou para criar e acho que isso é fundamental. Sermos honestos no que fazemos, no que servimos. E o preço, para ser justo, é o reflexo disso mesmo: da qualidade do que servimos, da qualidade do serviço, da qualidade do espaço e do ambiente, da experiência completa que é muito mais que aquilo que está no prato.

Quão desafiante se tornou este último ano no percurso do chef?
Foi obviamente muito desafiante. Como acredito que tenha sido para todos, independentemente da área. Fomos todos forçados a adaptarmo-nos – e, no caso da restauração, isso foi particularmente visível. Não poder fazer o que faço, da forma como o faço, obrigou-me a pensar muito, a reflectir sobre o caminho que escolhi e sobre as possibilidades para o futuro; e obrigou-me a descobrir novas formas de poder continuar a fazer o meu trabalho, que é algo que me apaixona. Tem sido um desafio, mas nunca me passou pela cabeça desistir.

+ Restaurante Plano

© Fotografia: Carlos Vieira / Plano

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