Paulo Furtado é o nome que se consolidou na cena musical, cá e além fronteiras, como o inconfundível The Legendary Tigerman. Músico que no arranque da sua carreia a solo nos chegava no audaz formato one-man-band e fazia o impossível – para o comum dos mortais que se ficou pela inesquecível flauta de bisel da Hohner.
Paulo Furtado funda, em 1990, os míticos Tédio Boys que marcaram indelevelmente uma geração, quer pelas músicas quer pelos concertos verdadeiramente frenéticos. Mais tarde, com o terminar dos Tédio surgem os Wraygunn (2000), banda que também deixou boas memórias na nossa memória auditiva. Porém, dois anos depois de formar os Wraygunn o projecto a solo falou mais alto e nasceu o ímpar The Legenday Tigerman. Sob este heterónimo deu-nos, até agora, “Naked Blues”, “Fuck Christmas, I Got the Blues”, “Masquerade”, “Femina”, “True”, “Misfit” e não esquecer as Bandas Sonoras Originais saídas da sua pena criativa – que já lhe valeram o merecido reconhecimento dos Prémios Sophia como melhor banda sonora original.
Para 2021, esperam-se bem frescas novidades para quem parar não faz qualquer sentido. Paulo Furtado é sinónimo de uma dedicação profunda à sua profissão, à sua arte e é ele que hoje faz uma breve reflexão sobre estes últimos meses pandémicos.
Se te pedisse para escolheres uma nota musical ou frequência hertziana ou um valor em decibéis para resumir estes últimos 12 meses, qual seria e porquê?
(PF): Creio que seria algo à volta dos 20HZ, uma frequência mais sentida do que ouvida de sub-graves…
Uma espécie de pressão invisível a que todos temos estado sujeitos e que nos vai oprimindo no dia-a-dia. Acho que é isso, temos todos sido expostos a uma pressão terrível.
Houve tranquilidade e disponibilidade – física e mental – para pôr em prática o que anteriormente te era quase impossível, como tirar projectos da gaveta ou reorganizar-te?
(PF): A única coisa que consegui fazer nos primeiros meses de confinamento, no ano passado, foi estudar, aprender coisas que nunca tinha tempo para aprender, dedicar-me mais ao home-studio e misturas, tudo isso. Nada de muito artístico, creio. Coisas mais práticas.
Como encaraste e encaras os concertos em streaming? São de alguma forma um motor para se manter uma certa actividade, te sentires activo?
(PF): Comecei a sentir uma necessidade natural de comunicar por esse meio porque não havia outro, mas confesso que, ao fim de muito pouco tempo, se tornou um fardo imenso para mim, não me faz sentido nenhum. É uma cópia rasca e inócua de um original que é muito bonito, que é uma troca bilateral de tanta coisa entre palco e plateia. Os concertos em streaming não têm qualquer interesse para mim, neste momento, a não ser que sejam uma extensão de um concerto real.
Estás a desenvolver músicas ou produções para a nova temporada pós-confinamento que se avizinha? Se sim, podes levantar a ponta do véu?
(PF): Estou quase a acabar o novo albúm, faltam as últimas misturas e a começar a trabalhar na capa e primeiros vídeos, e ao mesmo tempo envolto em muitos projetos diferentes.
Como se organiza uma agenda com tantas incertezas e reagendamentos constantes? É exequível programar ensaios, concertos e tours a curto e longo prazo?
(PF): Não se organiza. No meu caso tenho tido muita sorte, estive cheio de trabalho (música para cinema, TV e teatro) desde de junho do ano passado até agora e tudo o que são tours internacionais estão em stand-by. Para os concertos em Portugal é mais simples, mais imediato.
Sentes que a paragem forçada da cena musical transformou o olhar do público e a mesma passou, finalmente, a ser mais olhada como profissão e não como hobby?
(PF): Não sei se percebo exatamente a pergunta. A minha vida como músico e artista é uma vida de muito trabalho diário, muitos anos sem mais do que uma semana de férias, uma vida de uma dedicação profunda à arte e uma ética para a proteger. Para poder ser um músico independente com uma carreira internacional num país como Portugal, é preciso trabalhar e investir três vezes mais do que um artista espanhol, inglês ou francês, por exemplo. Não sei como alguém pode achar que isto é um hobby.
Produção. Criatividade. Palcos. Como é a tua rotina de músico e como vês o futuro do teu sector a partir destas três palavras?
(PF): A minha rotina é uma rotina de trabalho, como disse na última pergunta. O futuro do sector da música ao vivo está profundamente ameaçado e há muitos colegas e técnicos a passar muito mal. Acho que é um sector, maioritariamente, muito precário e que foi completamente abandonado à sua sorte durante mais de um ano.
Quão desafiante se tornou este último ano no teu percurso enquanto músico? Como geriste a falta física dos teus pares, ao teu lado? O que mais mudou na tua perspectiva sobre o teu trabalho?
(PF): Foi desafiante na medida em que foi desafiante para todos nós. Todos tivemos problemas pessoais e as vidas pessoais e familiares abaladas, ninguém estava pronto para isto. Senti a falta dos meus pares, mas antes senti a falta dos meus amigos e família, como todos nós. Mas acho que, no final de tudo, a minha perspetiva e ética de trabalho saíram reforçadas, também porque o meu percurso nunca foi fácil, já estou habituado a trabalhar demais. Além disso, há alguns anos que a composição de bandas sonoras ocupava cada vez mais espaço na minha vida e isso felizmente não parou. E nesta profissão acho que não deve haver estatutos, acho que a cada momento temos que provar o nosso valor e relevância artística, senão nada disto faz sentido, prefiro fazer outra coisa. O meu último trabalho tem que ser sempre, para mim, o meu melhor trabalho. •