“A Virgem”

Novamente um quadro de Gustav Klimt, agora “A Virgem”, óleo sobre tela provindo de 1913 e que se encontra no Museu Nacional de Praga.

Virgindade é pureza. Hoje tudo se quer corrompido: desde o corpo, passando pela mente, até chegar à alma. No entanto, existe uma solidão intrínseca ao ser humano que é inviolável. Sexo, cabeça e coração: os três alvos a abater. O sexo pela medicalização assistida; a cabeça pela confissão constantemente promovida; o coração pelo desvendamento do segredo. Não existe outra forma de manter a virgindade além de recusar as três maneiras de assassínio do sexo, da cabeça e do coração. Entretanto, a única coisa que resgata, que repõe a pureza quando algum dos mecanismos actua ou todos simultaneamente, é uma, apenas uma: o amor. O ser humano talvez seja mais mimético do que possa imaginar, e mesmo se hoje se promove a originalidade, sabemos que igualmente vigiada e em doses q.b., repete, glosando, os gestos e preferências das maiorias. Coragem é uma palavra que acompanha a pureza: sexo, cabeça e coração íntegros. Temos agora grande dificuldade em distinguir o bem do mal: mas eles existem. 

Ontem conversava com uma amiga e ela dizia-me que tem muita curiosidade em saber como os homens de negócios do mundo, os homens das finanças que regulam as nossas vidas, se referem à população, de que forma falam sobre nós, que andamos sob o jugo das suas decisões obscenas, das suas vontades tiranas, dos seus desejos. Imagino que para esses homens as palavras são como palitos, e não sagradas: palitos com que limpam os seus dentes cheios de comida que roubam às bocas famintas. A pureza é aqui uma palavra arcaica que nunca conseguiriam pronunciar, porque a própria palavra – “pureza”, é pura. Convenhamos: não se enxerta o mal na pureza, e não vale a pena vir com compostos que sejam, assim como, mais fiéis a uma realidade que já quase ninguém quer perceber. Podridão é podridão; pureza é pureza – e não existe uma qualquer dialéctica que as possa acasalar. 

Claro que existem pessoas íntegras e puras: são como lágrimas que escorrem pela Terra. A virgindade, portanto, é pureza. Vá-se à Lua, construam-se estações em Marte, escavem-se bunkers no interior da Terra pelos poderosos: as lágrimas continuarão a escorrer pelas florestas, a molhar os desertos, a fincar-se nos interstícios do sexo, da cabeça e do coração. E que não tenham ilusões. Porque não conseguirão destruir os precários laços estabelecidos entre as pessoas puras: feitos de uma palavra, de um olhar, de um abraço, de um beijo. Não existe força bruta que esmague a pureza, a integridade, a virgindade. 

O corpo da mulher sempre foi símbolo de patologias sociais evidentes.

© Imagem de entrada: “A Virgem” de Gustav Klimt

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