“A árvore da vida”

Gustav Klimt novamente.

Em “La agonía del Eros”, já muito perto do final, Byung-Chul Han diz também o seguinte: “Es necesario haber sido un amigo, un amante, para poder pensar. Sin Eros el pensamiento pierde toda vitalidad, toda inquietud, y se hace represivo y reactivo. Eros da nervio al pensamiento con la aspiración al otro atópico.” O que é tão simples e óbvio, não é? O pensamento não avulta do ressentimento, mas da abundância; nem o desejo é falta, mas sim abundância, como um copo cuja água que nele se contém, desborda. Não me falta nada quando sou amiga e quando amo, mas antes comungo; os seres não se tapam, como se faz aos buracos, antes se recobrem, como se se tratasse de pregas infinitas. O que me pode faltar é interno, é abismático e relaciona-se com a solidão intrínseca a cada ser humano: trata-se de um acordo baseado num pacto, só. Há coisas que apenas eu me posso dar, de mim para mim; ninguém poderá providenciá-las. 

Ser amiga, ser amante, é uma bênção. Reparam como no quadro de Klimt existe uma diferença entre a triangulação e a rotundidade? Então, podemos eventualmente retirar daí uma lição, estou certa: dá-se uma diferença de qualidade entre o indivíduo, na sua solidão constitutiva, e o encontro entre-dois. Uma triangulação é, tanto uma chave que se procura, como uma inquietação com que se vive e indicia ainda movimento, explosividade, uma saída também. Já a rotundidade contém, em si, delimita como se fosse um círculo de fogo, ou é uma caixa, também, onde se guardam as maiores preciosidades. Triangulação e rotundidade: a solidão intrínseca e a dádiva. Cair nos braços de alguém, ou colocar-se nas mãos do outro. Certamente que permanecerá uma qualidade de fome, provinda do abismo de si, mas: o outro recobre-me com o seu abraço, e vice-versa. Um abraço é um abrigo: pode ser constituído por palavras, por gestos, é um diálogo ou é um irresistível enlace. 

Amiúde se afirma que o inferno são os outros: é um erro muito grande. E aqui radica a impossibilidade de conciliar duas perspectivas bem distintas: a de Jean-Paul Sartre e a de Emmanuel Levinas, por exemplo. O primeiro considera que o outro me desapossa da liberdade, própria; o segundo considera-me em abertura, para o outro. A náusea, consideravelmente, está em mim: águas estagnadas. Assim, o outro lança-me uma pedra que vem movimentar essa estagnação e abrir à futuração. Para que tal aconteça, naturalmente, será necessário manter a abertura a que se refere Emmanuel Levinas, sim, pressuposto hábil que obsta ao narcisismo. Não se poder confiar em ninguém, como tantas vezes se diz hoje, é, pura e simplesmente, afirmar que não se é confiável. Todas as épocas têm palavras que vão na língua do século, como tão bem soube deixar visível María Zambrano; as deste, em que estamos, pautam-se pelo desencontro, pelo egoísmo, pelo narcisismo, pela desadequação. 

Apenas aquele ou aquela que mostra a sua fragilidade pode almejar vislumbrar-se, através do outro. Ninguém se salva pela crueldade, ninguém se encontra pela dispersão, ninguém se dá pela fuga. Toda a escrita, todo o pensamento que se materializa, seja de que forma for, é um rastro, por vezes mais sentido, outras talvez menos conseguido, porque não foi capaz de ser eminentemente fiel, de uma relação. E é claro, claro, que a amizade e o amor são os condutores do pensamento. Quando estou só, esgravato; quando estou acompanhada, faço alastrar. Existe um medo muito profundo, hoje, de submersão.

© Imagem de entrada: “A árvore da vida” de Gustav Klimt / Google Cultural Institute

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