Conversa com Terry Lee Hale

Janeiro já vai nos seus meados e eis que é tempo de falarmos de mais um concerto do “Sons do Bussaco – Ciclo de Concertos de Músicas do Mundo”, no Convento de Santa Cruz – Mata Nacional do Bussaco. Sim, o “Sons do Bussaco” não terminou em 2016 e continua, neste 2017, com concertos que prometem ser noites para não esquecer. Para iniciar mais uma temporada deste ciclo, o altar estará entregue a Terry Lee Hale.

Continuando a nossa entrega como Media Partners ao “Sons do Bussaco” conseguimos, por entre o dedilhar de dedos entre as cordas e os trastes, roubar dois fugazes dedos de conversa a Terry Lee Hale que, como músico que é e com novo álbum na bagagem, anda de palco em palco a preencher espaço com sonoridades singulares.

Compositor e músico norte-americano ou, em suma, cantautor natural do Texas, Hale é um veterano da música com um crescer que o levou a vários cenários naturais e construídos, com um percurso de vida onde a família tem um peso naturalmente preponderante, com trilhas sonoras que, mais cedo ou mais tarde, o levariam a outros patamares musicais, a novos horizontes. Tudo em Terry Lee Hale enriquece a sua música, tudo a torna mais forte nas palavras e nos acordes escolhidos. Ser filho de um militar e andar de Base em Base, ser pai a solo e gerir a música com o criar da sua filha Liza, ser um curioso sem medo abraçar o viver de novas experiências. Em tudo, sem medos. Assim é Terry Lee Hale, um músico que de cedo aprender a saber mudar, a saber aproveitar cada novo momento e isso reflete-se na música que é, sempre o procurar de novos cenários. Uma música que, talvez e sem rotular, a chamaríamos de profunda pela composição do ritmo, pela voz que lhe dá a calma para ser ouvida.


© DR

Nascido no Texas, isso traz uma marca diferente à música, comparando com outros músicos de outros locais, ou a passagem é tão leve que pouca identidade deixa no ritmo?
A minha família mudou-se de San Marcos, Texas, quando era muito pequeno então, o nascer lá, não significa muito. Dito isto, mudei-me de volta para Austin, Texas, quando tinha 21 e mais tarde, a minha filha também nasceu lá. E voltámos a sair de lá quando ela era ainda bebé. Há algo sobre e naquele lugar e o nascer lá que se mantém vivo na minha família. E é verdade que o Texas tem uma tradição e cultura muito forte na música. Enquanto estive lá, embora estivesse feliz da vida, ainda assim, não era o estilo de música que eu queria tocar e criar, tornando-se uma das razões pelas quais me mudei, de novo. Estava a procurar algo diferente e a liberdade de poder fazê-lo. Nota que começar com música do Texas não é uma coisa má. É uma parte viva do que faço e ainda escuto a rádio KUT (Austin) quase todos os dias.

Na tua biografia podemos ler que passaste por dez escolas diferentes. Um assunto de família, um aluno inquieto ou a necessidade nata de explorar o máximo de matérias e experiências possíveis?
O meu pai estava no Exército e era transferido, frequentemente, para Bases Militares diferentes. Embora, quase todas se localizassem no Estado de Washington. Ainda assim, todas aquelas constantes mudanças deixaram um pequeno vício em mim: fizeram de mim um viajante. E, de facto, ainda hoje o sou.

Creio que o crescer ‘sozinho’ me deu as ferramentas que preciso para estar bem como um adulto a tocar música a solo. Gosto, verdadeiramente, da liberdade que isso me dá. Dito isto, e não vamos esquecer que tocar em conjunto pode ser e muitas vezes é uma experiência emocional única e poderosa, (…).

Alguma dessas escolas por onde passaste era de música? E… será que me é permitido perguntar se te formaste em algo específico?
Para te ser o mais honesto possível, eu mal acabei o Liceu. Formei-me cedo e fugi do inferno que era aquela pequena cidade em que estava a viver naquela época – Yakima, Washington. Nunca frequentei uma escola de música, embora aquando dos meus 20 anos e por alguns anos, andei a pensar na Berkeley School of Music, em Boston, teria sido uma boa ideia. Porém, nunca tive a possibilidade de pagar os estudos lá e foi provavelmente para o melhor.

Palavras-chave no teu crescer e educação são “Travelling easy” e “being alone”. Qual a sua importância na tua identidade musical? Como pode ser isto ensinado a alguém tão novo?
“Being alone” é o que faço agora. Toco sozinho. Creio que o crescer “sozinho” me deu as ferramentas que preciso para estar bem como um adulto a tocar música a solo. Gosto, verdadeiramente, da liberdade que isso me dá. Dito isto, e não vamos esquecer que tocar em conjunto pode ser e muitas vezes é uma experiência emocional única e poderosa, quer para os músicos quer para o público. Todavia, não tenho certeza que este “solo-ness” pode ser ensinado. Certamente, é preciso seres um determinado tipo de pessoa, teres uma certa personalidade, para estares confortável a viver uma vida a solo ou estar a solo no palco, sozinho.


© Franck Betermin

Texas, Washington, Califórnia, Maine, Oregon, Colorado, Massachusetts e finalmente Seattle. Como é que tantos Estados por onde passaste e viveste fazem a diferença na tua música?
Todos esses lugares tiveram um impacto enorme, alguns mais do que outros, naturalmente. Como em todo o mundo, garantidamente, cada região tem sua própria história e tradições musicais. A América é abençoada, em abundância, com tais tradições. Uma variedade bem rica e quando era mais novo, absorvia todos esses estilos e riquezas musicais como uma esponja. Nunca me sentir, verdadeiramente, dominado qualquer um deles para ser honesto, mas eles estão sob minha pele e hoje vivem dentro de mim.

Aquando da mudança para Seattle, eras um pai solteiro. O que aconteceu com a tua música, nessa fase da tua vida?
Ser pai solteiro, encontrar tempo para tocar e escrever música era uma verdadeira luta. Muitos, mas muitos mesmo abandonam a música quando criam família, porque é difícil conciliar. Por alguma razão consegui sempre encontrar o tempo para a música e tocar ao vivo, em concertos, sempre foi uma forma importante de ganhar algum dinheiro. E depois, claro, encontrar babysitters foi uma parte constante de nossas vidas. Não algo que eu tivesse gostado de fazer e nem a Liza, creio. Porém, fazemos o que tem de ser feito para continuarmos a caminhar para a frente e em frente. Às vezes, parecia que estava a mover-me através de um pântano onde a lama me sugava cada passo dado, mas nós os dois ultrapassamos isso juntos, sempre sem desistir. E sim, creio que minha música tem uma certa profundidade e também sabedoria, dentro dela, que só podem ser encontradas quando passas por este tipo de lutas e desafios.

Ser um músico profissional é difícil em todos os lugares, onde quer que estejas. Sempre foi e sempre será. Felizmente, tive sorte de encontrar uma editora que me ajudou a encontrar agentes e modos de vender o meu som, é mais fácil desta forma, quando isto acontece. Mas ainda é uma luta. Obviamente, não sou uma super estrela ou algo parecido.

Soundgarden, The Walkabouts, Skin Yard entre muitos outros. Como cruzas caminho com eles?
Um dos trabalhos que tive em Seattle foi como “Booking Agent”. Em 1984 comecei a reservar vários bares para concertos, por lá. Na altura, Seattle era uma cidade mais pequena e na cena musical vivia-se tudo misturado e, curiosamente, apesar de não tão grande como agora, tu não conhecias quem era quem e o que andavam a fazer na música. Sendo um “Booking Agent” foi a forma perfeita para conhecer as diferentes bandas com quem me cruzei. Foram excelentes momentos enquanto durou.

A dado ponto, cruzas o Oceano. Porquê só “agora” e escolher França para viver? Quão difícil é ser músico neste lado de cá?
Vim para a Europa em 1993, quando o meu primeiro álbum foi editado. Nessa altura, conheci algumas pessoas, bem simpáticas, em Concarneau – uma cidade francesa, na zona da Bretanha. Uma coisa levou à outra, continuei a vir e , inevitavelmente, acabei por ficar. Enquanto adolescente, a Liza estava a viver com a mãe e dava-se o boom da cena musical em Seattle. Senti que estava realmente pronto para uma mudança.
Ser um músico profissional é difícil em todos os lugares, onde quer que estejas. Sempre foi e sempre será. Felizmente, tive sorte de encontrar uma editora que me ajudou a encontrar agentes e modos de vender o meu som, é mais fácil desta forma, quando isto acontece. Mas ainda é uma luta. Obviamente, não sou uma super estrela ou algo parecido.


© Line Laholt Levninsen

Ao ouvir o último álbum foi inevitável pensar no Chris Eckman, dos The Walkabouts. É como uma espécie de DNA musical. Sabendo, por conversas idas, que Chris Eckman também elegeu a Europa para viver, há planos para tocar ou trabalharem (mais vezes) juntos?
Eu e o Chris já fizemos muitos discos juntos. Ele produziu alguns dos meus discos e, de uma forma ou de outra, esteve envolvido em todos os meus discos. Aprendo imenso com ele, tanto como músico como enquanto sendo ele o meu produtor. E, claro, é também um bom amigo. O Chris é um produtor brilhante e uma das pessoas mais inteligentes que conheço, no mundo da música. Quanto ao futuro… Quem poderá dizer? Não consigo imaginar-me a parar de valorizar a sua amizade ou de valorizar a sua opinião. Adoraria, claro, fazer outro álbum com ele.

Compositor e músico. Para quem ainda não te conhece, como te defines?
Sou um cantautor e guitarrista que toca com guitarras acústicas de 6 e 12 cordas e Dobro [resonator guitar/ guitarra ressonadora]. Trabalho principalmente em “open tunings” e trabalho principalmente a solo.

“Bound, Chained, Fettered”. Três palavras diferentes e significados tão semelhantes. Porquê estas palavras fortes para dar nome ao teu último álbum? Sentias-te figurativamente ou emocionalmente acorrentado? O que vive por detrás do título?
Creio que estava a tentar criar um cenário, uma estado de ser. Juntas, significam muito mais do que cada uma por si só e esta é, também, uma música do disco. É o “tema” do álbum, se quiseres aplicar, embora vagamente, um tema. E para responder à tua pergunta: todas as anteriores. Nós (ou a maioria de nós de alguma forma) estamos ligados, acorrentados e encadeados por e a coisas como a bens materiais, à ganância, à inveja, à preguiça, aos vícios, etc. O álbum aborda alguns desses assuntos e tenta, talvez, entregar-vos, ao público, uma pequena mensagem.


© DR, (editada)

Tocar numa pequena igreja no Bussaco tem algum significado especial? Ou é, em boa verdade, mais um concerto onde te entregas de corpo e alma como em todos os outros?
Todo o concerto é, para mim, importante. Trato cada um como um momento especial e considero-me muito abençoado por ser capaz de fazer o que faço. Nunca, mas mesmo nunca, tomei como garantido privilégio de poder pisar palcos num outro país e levar as minhas canções a outros públicos que pagam do seu dinheiro bem suado para me ouvir tocar.

Tens algum tipo de fé na música como uma forma de ajudar a manter este mundo no caminho certo?
Na verdade, não. Dá uma olhada ao teu redor. Se a música pudesse acalmar a “besta selvagem”, não estaríamos no caos em que no encontramos hoje. Porém, dito isto, boa música honesta torna-se ainda mais importante nestes dias. Em todos os cantos do mundo, a música une comunidades, engaja pessoas e promove a comunicação, a emoção. Até o amor. É por isso que as pessoas ainda saem para ouvir música ao vivo. Acredito, com todo o meu coração, que é o melhor tipo de música, a real e vivo, com rugas e tudo!

Voltando ao concerto do Bussaco, vai ser como normalmente, a solo? 
Vou tocar sozinho. E posso dizer-te, honestamente, que fico surpreso a cada noite que toco. Não sou um grande técnico/ intérprete, nem toco por rotina. Escrevo algumas boas canções e adoro compartilhá-las com o público. A experiência musical compartilhada, entre público e músico, é algo maravilhoso e mágico. Quando estás a trabalhar correctamente e todos estão ligados junto com a música, esse momento pode significar uma mudança de vida e um tempo de alegria. É a vida vivida e compartilhada, ao máximo.

O novo álbum – “Bound, Chained, Fettered” – já ouvido por mundos Mutante(s) é para ouvir, do primeiro ao último acorde. O concerto, a realizar-se no próximo dia 28 de janeiro pelas 21h30, é para não perder pela música, pela simpatia de um veterano músico que sabe o que faz e faz com genuíno sentir, pelo espaço – Convento de Santa Cruz, Fundação Mata do Bussaco – que, repetindo-nos sem cansar, é único e torna cada concerto diferente pelo cenário que entrega à música tocada dando-lhe, arriscamos dizer, novos estados de alma.

“Sons do Bussaco – Ciclo de Concertos de Músicas do Mundo” continua a dar (belas) cartas e a si, cabe-lhe não ficar em casa, nem no inverno, e aproveitar bons sons carregados de paisagens norte-americanas bem vividas, já com travos de uma Europa que se transforma em casa. Obrigatório, este janeiro.

Bilhetes: turismo@fmb.pt ou através do número 231 937 000). •

“Sons do Bussaco – Ciclo de Concertos de Músicas do Mundo” na Mutante
Terry Lee Hale
Fundação Mata do Bussaco
Convento de Santa Cruz
© Fotografia de destaque: DR.

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