A chat with Chris Eckman

Chris Eckman já percorreu um longo caminho desde o seu início com os The Walkabouts, em Seattle, há mais de 25 anos. Um veterano, justamente reconhecido da cena musical, que vem a Portugal para três concertos obrigatórios, esta semana.

Os dois dedos de conversa tornaram-se imperativos a partir do momento em que Chris Eckman anunciou três concertos, em terras lusas, com o álbum “Harney County” na bagagem. Eckman tornou-se num sábio musical produzindo sons atmosféricos e palestras sobre a natureza da música em várias comunidades. A natureza é, claramente, algo incontornável para Chris Eckman. Algo maior e mais forte que os seres humanos que, de forma direta, lhes mostra o seu poder. Harney County é em Oregon, na fronteira com Nevada. Um lugar bastante vazio que inspirou e fascinou Eckman depois de ler o livro de William Ketteridge – “Owning It All”. Aqui, traçamos um bilhete de identidade deste músico que é, mui certamente, conhecido por todos, mas que não resistimos a (re)apresentar para vos acicatar para os concertos e a ouvir este trabalho sobre uma paisagem poderosa.

Começando pelo início vendo se é preciso separar as águas. É inevitável dizer: Chris Eckman, dos The Walkabouts. Todavia, hoje, a solo. Há a separação de identidades ou haverá sempre um elo onde Eckman tem, na identidade musical, os The Walkabouts?
Essa ligação vai, certamente, existir sempre. Os The Walkabouts foram a minha primeira e mais longa aventura musical e essa experiência está entretecida no ADN da minha música, e com franqueza, não o quereria de outra maneira. Estou muitíssimo orgulhoso do que conseguimos. Mas também devo dizer que tocar a solo não é, para mim, uma novidade. Nos últimos 15 anos tenho-o feito de modo intermitente. Escrevi e gravei o meu primeiro álbum a solo, “A Janela”, no verão de 1998, quando estava a viver em Lisboa.

Nascido em Seattle, Washington, E.U.A., 1960. A residir na Eslovénia, em Liubliana. A indagação, para quem possa não conhecer o teu percurso é, genuína. Como se saí de Seattle para Liubliana? Que te trouxe para uma Europa e, ter também cá, um estúdio?
A resposta é muito simples. Casei-me com uma eslovena e decidimos começar a nossa vida em conjunto em Liubliana, pelo menos temporariamente. Passados 13 anos… ainda por aqui estou e bastante feliz por cá estar.

Compositor, músico, produtor, poeta e algo mais que me possa falhar. Todos são elementos indispensáveis para se ser Chris Eckman ou há um elemento que se destaca, que é dominante? Como te defines?
Definir-me-ia como uma pessoa muito atarefada (risos) e nem sequer mencionaste uma ocupação, onde, hoje em dia, gasto muito do meu tempo. Sou co-proprietário e dirijo uma editora musical, Glitterbeat, que se dedica maioritariamente ao lançamento de música africana.
Tive medo de esticar demasiado a pergunta…
Tudo o que mencionaste faz parte de mim, mas acredito que a característica mais prevalecente é aquela que desamarra todas as outras. Sou, simplesmente, um apaixonado pela música. Sou-o desde pequeno e esse entusiasmo nunca se desvaneceu.

Rumando para Harney County, Oregon, que dá nome ao álbum e desvendando o que te traz cá.

William Kittredge, “Owning it All”. Olhando para trás, há uns 20 anos desde que tiveste tudo, numa leitura, salvo seja. Antes de nos situarmos na música, um livro pode mudar uma vida, demarcar caminhos?
Claro que pode. Quase tudo pode definir a vida ou, pelo menos, redireccioná-la para um caminho completamente diferente. Um encontro de ocasião, com alguém numa rua, a música de que se gosta, um voo perdido que nos permite passar, algures, um dia extra. Penso que o segredo é ter um espírito aberto para tudo aquilo que nos rodeia. As oportunidades na vida estão, por vezes, escondidas sob aquilo que existe à nossa volta. É preciso procurá-las.

No deserto, aparentemente, a informação é minimal. É deserto. Árido. Agreste quer no inverno quer no verão, mas é onde sentimos a força superior da natureza. Foi isso que te levou do livro ao deserto. A força de uma paisagem descrita?
Com toda a certeza. Esses poderes descritivos, como tão bem disseste, levaram-me da atividade intelectual de ler um livro para, de facto, respirar o ar de Harney County, vê-lo com os meus próprios olhos e descrevê-lo com as minhas palavras.

Será legitimo dizer que o aquecimento para este trabalho começou com o álbum “Travels in the Dustland”, dos The Walkabouts? Foi um preparar para esta densa viagem…
Claro que é legitimo e, de facto, muitas das canções em Harney County, foram escritas ao mesmo tempo que estava a escrever material para “Travels in Dustland”. Porém, senti-as de um modo muito diferente. Muito mais intimistas, mais narrativas e sem sentir a necessidade de ter uma banda para as gravar.

Kittredge celebra, na obra referida, a natureza intocada e critica também os efeitos do homem na mesma. Até que ponto pode a música ter repercussões numa paisagem e pode, a mesma, criar novas paisagens na paisagem onde se inspira? I.e., sentes que criaste um novo Harney County com base nos seus elementos?
Criei uma espécie de eco onírico do sítio real. Criei a minha própria mitologia do lugar, uma mitologia que não se preocupa muito em ser realista ou mesmo se os factos estão certos. Não sou jornalista, escrevo canções. A arte, por definição, mitiga, transforma e interpreta o mundo.

Para quem, como eu, nunca esteve em Harney County, tu criaste todo um novo Deserto com as tuas músicas. Pergunto-me se poderia dizer que és também um pintor… Consegues imaginar-te pintor?
O pai da minha mulher é um pintor esloveno famoso e, ao longo destes anos, passámos muitas horas, acompanhados por um copo de vinho, a falar das semelhanças entre pintura e música. Não sou, obviamente, um pintor, mas sinto uma grande afinidade pelo processo de pintar. A música também é cor, textura e estado de espírito. É uma arte abstrata. Faz eco de imensas coisas: emoções, histórias, experiencias, mas não as recria ou nem sequer as representa de um modo muito claro. A música, no seu melhor, é uma impressão emocional poderosa, nada mais, nem nada menos.

Este trabalho não é só um solo, és tu e a tua viagem, uma espécie de exercício freudiano do que te moldou? Ou há outros personagens de quem nos traças retratos?
Estas personagens não são uma representação da minha pessoa, mas se eu as visse num bar, certamente as reconheceria e elas com certeza me reconheceriam, também. Teríamos muito sobre o que conversar (risos).

Li, numa ida entrevista tua, que te consideras arrogante em momentos idos da tua vida. Para onde foi essa arrogância, como é que ela se dissolveu?
Terás que ajuizar, a partir das minhas respostas, se essa arrogância se desvaneceu ou não (risos).
Nem consigo imaginar-te arrogante. És um gentleman.
Com a idade, aprendemos que as coisas têm diferentes tonalidades, que não são sempre a preto e branco. Começamos a dar-nos a hipótese e o prazer de não ter de ter sempre razão.

O livro fala-nos de sonhos falhados numa paisagem crua. A tua lírica é, também ela, neste álbum, o falar de sonhos, dos teus sonhos?
Penso que as canções são sobre os meus sonhos apenas no sentido em que os nossos sonhos se entrecruzam com o mundo em que vivemos. O neo-liberalismo e o capitalismo tardio, deixaram-nos numa situação muito precária. À excepção dos muito ricos, teremos muito menos que a geração que nos precedeu. E o planeta que vamos passar à geração seguinte estará bem mais desfigurado e muito menos sustentável do que anteriormente. Quase todos nós estamos a ver partes dos nossos sonhos desaparecer. Por outras palavras, “Harney County” está em todo lado.

Quão diferente é este teu novo estar, a solo, daquele em que tens todo um corpo dos The Walkabouts? Além, claro, da óbvia redução de instrumentos, de músicos em palco…
É bom não ter de levar tanto equipamento atrás de mim e os sound checks são bem mais rápidos (risos). E há também mais flexibilidade para compor o alinhamento, claro. Junto com o Žiga, mudamos de cenário todas as noites, permitindo-nos a oportunidade de reagir ao público, ao espetáculo e por aí adiante. Gosto imenso disso.

Olhando para trás, com uma carreira bem preenchida, qual é o peso da palavra, na tua música, hoje? Maior que a música criada ou igual?
Acho que não. As palavras não existiriam sem a música. A música é a raiz de todas as canções que já escrevi. Primeiro componho a música e só depois procuro as palavras e o conceito que vão funcionar com ela. É-me muito difícil separar e analisar o valor intrínseco de cada uma das partes. Para mim, são exactamente a mesma coisa: são, pura e simplesmente, a canção.

“Harney County”, nome do álbum que Chris Eckman lançou a solo na sua tentativa (tão bem conseguida) de criar um retrato sonoro, através de músicas impressionistas que evocam sobretudo paisagens desertas deste lugar que tanto o marcou. Regressando à pintura, tem de ser um quadro pintado com notas, é assim que por aqui se sente este trabalho. As músicas deste álbum são menos ligadas a gestos e atos musicais. O que importa é o que está a ser dito e cantado, é o que sobressai, com a música a ser a imprescindível estrutura original que sustenta as palavras. São memórias reais de lugares que visitou, conhece e lhe transmitem algo muito relevante. São lugares onde a natureza é dona e senhora, livre, e onde o homem têm uma presença apagada, ínfima, que o obriga a uma luta constante pela sobrevivência.

Eckman produziu o álbum acompanhado por contrabaixista Ziga Galeb. O som das guitarras de Eckman e o contrabaixo de Galeb são a força dominante do álbum, enquanto a sua voz grave, por vezes cantada, por vezes meio falada, narra, cativa e prende como um genuíno contador de histórias. As histórias retratam uma luta entre o homem e a natureza e a estrada acena em todo o álbum, particularmente, na longa narrativa de Rock Springs (11 minutos de música).

É o Deserto que traz Chris Eckman a Portugal para três espetáculos únicos – com a primeira parte a estar nas mãos dos a Jigsaw -, concertos que prometem uma entrega total do artista num registo mais intimista, que lhe é tão pessoal. Eis as datas a tomar nota:

21/05, 22h00 – Salão Brazil, Coimbra.
22/05, 21h30 – Casa das Artes de Arcos de Valdevez.
23/05, 21h30 – Cine Teatro João D´Oliva Monteiro, Alcobaça.

Obrigatório ver, este veterano da música, em concerto. Bons sons! •

+ Chris Eckman
© Fotografia: Chris Eckman.

Partilhe com os seus amigos: