Carlos Mendes, carinhosamente conhecido – entre o mais chegados – por Kaló, é figura incontornável da cena rock nacional, ou não tivesse no seu superlativo portfólio bandas como Tédio Boys, WrayGunn, Bunnyranch, The Parkinsons e, agora, os tão merecidamente aclamados pela crítica The Twist Connection. É com ele que hoje reflectimos sobre os últimos 12 meses, na vida deste músico de corpo e alma.
De baquetas em riste e voz enérgica, Carlos Mendes é, acima de tudo, um músico livre que desafia métodos, que se renova a cada novo trabalho editado e estar em palco é-lhe quase patológico (no bom sentido). É o elemento dele, é a casa, é onde é mais bateria, mais voz, mais verdadeiramente intenso. Tudo facilmente comprovável num qualquer concerto frenético e altamente viciante dos The Twist Connection. Há mais de duas décadas imparável nas lides da música – taco-a-taco com a sua outra paixão, a Filosofia, que lhe assenta como uma luva – Carlos Mendes bebe no Rock’n’Roll a sua inspiração para nos dar música que não nos deixa o corpo sossegado, a música que lhe dá uma sensação de maior liberdade que, arriscamos dizer, a sua estimada Filosofia.
Sem gavetas fechadas, Carlos Mendes é um músico nato que, com demasiado tempo, sem tempo, durante estes estranhos meses da nossa tão viva memória, já fervilha com a vontade de preencher a agenda com concertos non stop, com novas composições, com novas gentes junto dos seus pares habituais, Sérgio Cardoso e Samuel Silva. Sem mais demoras: Carlos Mendes.
Se te pedisse para escolheres uma nota musical ou frequência hertziana ou um valor em decibéis para resumir estes últimos 12 meses, qual seria e porquê?
(CM): Não consigo ser preciso em relação a frequências, ou melhor, não percebo do assunto, em relação a decibéis percorri – desde – o silêncio até ao mais ruidoso posssível, variou, obviamente, entre estados de espírito. Fui aprendendo e descobrindo coisas novas, umas vezes com estrondo, outras nem me apercebi.
Houve tranquilidade e disponibilidade – física e mental – para pôr em prática o que anteriormente te era quase impossível, como tirar projectos da gaveta ou reorganizar-te?
(CM): Houve tempo, demasiado tempo, ainda há demasiado tempo, sem haver tempo, depois, para fazer o que era urgente. Não tinha projectos na gaveta, ou melhor, está sempre aberta, vou fingindo que não se passa nada de anormal e acreditando no que está para vir para, assim que possível, arrancar a toda a força.
Como encaraste e encaras os concertos em streaming? São de alguma forma um motor para se manter uma certa actividade, te sentires activo?
(CM): Nada contra, uma maneira de estarmos activos a expôr o nosso trabalho e estarmos em contacto com as pessoas. Prefiro ao vivo – in loco -, com público. Se voltarmos ao streaming, temos que pensar em fazer coisas diferentes com colaborações de pessoas de várias áreas das artes.
Estás a desenvolver músicas/produções para a nova temporada pós-confinamento que se avizinha? Se sim, podes levantar a ponta do véu?
(CM): Sim, estou a começar a escrever letras e a tentar perceber se se pode fazer alguma coisa, com elas, nos bocados de música que temos gravado.
Como se organiza uma agenda com tantas incertezas e reagendamentos constantes? É exequível programar ensaios, concertos e tours a curto e longo prazo?
(CM): Difícil, extremamente complicado. Nada de novo. Temos sempre os planos em dia e em cima da mesa.
Sentes que a paragem forçada da cena musical transformou o olhar do público e a mesma passou, finalmente, a ser mais olhada como profissão e não como hobby?
(CM): Espero, sinceramente, que sim. Não consigo perceber, ainda, como é que a sociedade vai olhar o lado da cultura. Aguardo na expectativa.
Produção. Criatividade. Palcos. Como é a tua rotina de músico e como vês o futuro do teu sector a partir destas três palavras?
(CM): Produção, tenho/temos ideias para fazer coisas novas, desde música para cinema, preparar o próximo álbum que depende da forma como nos juntamos para ensaiar e da maneira que vida se desenrolar. A criatividade está sempre presente, às vezes demora é o seu tempo a dar resultados. Em relação a palcos temos ideias, convidadas e convidados ou mesmo alguém que ingresse definitivamente. Queremos muito tocar.
Quão desafiante se tornou este último ano no teu percurso enquanto músico? Como geriste a falta física dos teus pares, ao teu lado? O que mais mudou na tua perspectiva sobre o teu trabalho?
(CM): Fui gerindo. Há sempre alguma coisa para fazer. Mudou a minha perspectiva em relação ao modo como via e vejo o funcionamento das bandas que fiz e faço parte. Espero ter aprendido alguma coisa. •