Novos Sons: José Valente

O premiado compositor e violetista – José Valente – apresenta “Trégua”, disco em que, mais uma vez e não defraudando expectativas, inova compondo para viola d’arco e a realidade filarmónica.

“Trégua” é a primeira obra criada para viola d’arco e orquestra de sopros da autoria de José Valente. Um encontro imprevisível entre o músico e a Orquestra Filarmónica Gafanhense, dirigida pelo prestigiado saxofonista e maestro Henrique Portovedo, que resulta num momento inédito na história da nossa música portuguesa. A originalidade e o não medo de arriscar por caminhos não tocados na base deste novo trabalho.

Uma proposta criativa singular, tanto para a viola d’arco, enquanto instrumento solista, como para a realidade filarmónica que parte numa viagem disruptiva que vai além dos limites da música erudita.

O projecto cultural 23 Milhas acolheu, em residência artística, a concepção e a gravação deste registo original, de sete actos, que reflecte a persistência de José Valente em percorrer um trilho desassossegado, mapeado pela constante descoberta de novas possibilidades musicais para o seu instrumento.

Este ineditismo histórico entre a viola d’arco e as bandas filarmónicas surgiu de uma questão levantada pelo violetista: “Como é que eu crio uma circunstância que pode aproximar naturezas distintas e que, através dessa aproximação, inventa quase como uma nova linguagem e, a partir daí, estabelece uma comunicação?”.

A colaboração que em “Trégua” reúne as duas realidades é também, como aponta José Valente, “uma iniciativa verdadeiramente política”. Há um músico que vem de um lugar, lugar esse que é completamente diferente do berço cultural de uma banda filarmónica, “parecem universos opostos”. “Então, como é que eu contribuo para a comunidade de forma política? Eu aproximo os mundos.”

“Trégua”, obra conceptual em que se identifica uma multiplicidade de referências filosóficas, literárias e musicais, é uma junção de contextos distintos e distantes que promove, inevitavelmente, a busca por uma nova posição estética e consequentemente pela criação de um novo conhecimento artístico cultural.

Escapando ao óbvio ou ao estereótipo (“E sim, ouvimo-lo a improvisar sobre, e dentro, (d)o que deixou escrito nas partituras, ignorando compartimentações que ainda estão muito vivas no entendimento musical dominante”, como explica Rui Eduardo Paes, no texto que acompanha este trabalho), o compositor encerra agora uma trilogia iniciada com os discos “Os Pássaros Estão Estragados” e “Serpente Infinita”.

À semelhança do romance de Primo Levi, “La Tregua”, sobre a sua viagem de regresso a Itália após a libertação de Auschwitz, no fim da Segunda Guerra Mundial, o novo álbum de José Valente é também um apontamento sobre camaradagem, lealdade e alegria. Sentimentos que caracterizaram a concretização desta obra, num positivo ambiente de proximidade entre todos os intervenientes, num cenário pedagógico e disponível para com a comunidade que incorpora a Orquestra Filarmónica Gafanhense.

“Trégua” é um reflexo deste convívio e deste processo criativo profundamente genuíno, entre diferentes ângulos que se harmonizaram através da música. Tem o apoio institucional da República Portuguesa – Cultura | DGARTES – Direcção- Geral das Artes, Fundação GDA, 23 Milhas, Orquestra Filarmónica Gafanhense e Associação Interferência.

Sobre José Valente para quem, ainda, não descobriu ou se cruzou com o trabalho deste músico a não perder do ouvido:
É um dos violetistas mais inovadores da sua geração que conta já com um extraordinário percurso que lhe deu já a oportunidade de subir aos palcos mundiais e de trabalhar com músicos como Dave Douglas, Paquito D’Rivera (que convidou José Valente para ser solista no Carnegie Hall), Hank Roberts, o pianista galego Alberto Conde e os mestres da música clássica indiana Shakir Kahn e Vikas Tripathi, entre outros. Fundou o dueto de cordas Valente Maio, com o violinista Manuel Maio, o quarteto de cordas Acies Streichquartett e o grupo PuLso – nova poemúsica portuguesa.
Desde o regresso de Nova Iorque em 2019, onde estudou Jazz e improvisação, que José Valente tem vindo a explorar os limites do seu instrumento através da simbiose de diversos estilos musicais, raramente associáveis ao repertório tradicional para viola d’arco, estabelecendo assim uma linguagem e visão musical únicas.
Foi o primeiro e único português a ser laureado com o título The Hannah S. and Samuel A. Cohn Memorial Foundation Endowed Fellowship, após a residência artística na Djerassi Residency Artists Program, na Califórnia, EUA, em 2012. Recebeu uma Menção Honrosa no Prémio de Composição Lopes-Graça 2009 e venceu o Concurso de Projectos Artísticos de Serralves em Festa 2010. O álbum “Serpente Infinita” foi laureado com o Prémio Carlos Paredes 2019.

José Valente e Orquestra Filarmónica Gafanhense – “TRÈGUA” é composto por seis músicas que começam com uma birra, mas que acabam em trégua, a bem de todos:
1. A Birra do Gaspar
2. Festa
3. Naquele Instante O Galo Cantou
4. Fuga
5. Trégua
6. Trégua II

Um trabalho a ter de ouvir. Um músico a seguir de perto. •

+ José Valente
+ Orquestra Filarmónica Gafanhense
@ Fotografia: DR.

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