Novo álbum: “Medea” / Eleni Karaindrou

Piano e Teoria da Música no Athens Hellenic Conservatory. História e Arqueologia na Universidade de Atenas. Etnomusicologia e Orquestração na Sorbonne e na Scuola Cantorum, em Paris. Tudo isto estudou Eleni Karaindrou, reconhecida e premiada compositora grega. “Medea” é o trabalho que agora nos chega aos ouvidos e nos prende por ser mais do que apenas sonoridade. É música densa, intensa, com movimento corporal e carga dramática indissociável, pela mão de Karaindrou.

Este alinhamento de 17 composições foi criado para acompanhar performances no Ancient Theatre of Epidaurus, que muito explica da sensação que nos deixa logo no arranque com “Argo’s Voyage“. Na construção de cada tema é sentido o ambiente de contraste que Karaindrou cria entre sonoridades contemporâneas vs sonoridades arcaicas conseguido, em parte, pelos instrumentos usados como santour, flauta ney, alaúde e lira de Constatinopla, bendir… que tocam a par de um clarinete, que no fim dá a sensação de uma orquestra cheia. A adaptação grega moderna de Giorgos Cheimonas de Euripides fornece as letras, cantadas por um impressionante coro de 15 vozes sob a direção de Antonis Kontogeorgiou e, com a exceção de duas composições, pela compositora. A peça de Euripides foi a cena pela primeira vez em 431 a.C. e conta como um dos dramas mais negros da Antiguidade, num conto angustiante de traição, raiva, vingança, infanticídio – “Medeia”. Quando Jasão abandona Medeia (filha do rei Eetes, sobrinha de Circe e neta do Deus-Sol Helios) para casar com Creúsa (ou Glauce), filha do Rei Creonte, reforçando assim o seu poder político, Medeia responde com um ímpeto de cólera, sem limites – se a paixão por Jasão a tinha humanizado, a traição dele faz com que Medeia recupere a sua divindade e direito a punir o seu marido mortal, pela arrogância que demonstrou… Ela que por ele renunciou às suas origens e família.


Karaindrou transpõe para a música todo este complexo enredo, criando, em momentos, tensão através da contenção e silêncios, expectativa através da percussão demarcada. Música carregada de dramatismo ímpar. Tudo começa com quatro composições instrumentais quentes que anunciam algo que se desvendará ao longo do álbum. Sinta-se o bendir em “Ceremonial Procession” e as melodias sinistras para flauta ney e clarinete que nos parecem antecipar as desgraças futuras. Os temas passaram de clarinete para violoncelo em “On The Way To Exile” dando à melodia uma carga melancólica envolvente. E a primeira voz que se ouve, antes dos coros acima referidos, é a de Karaindrou no “Medea’s Lament 1” que precede o lamento de “Women in Mourning“. A viagem no drama, ou melhor, no lamento segue nas músicas. E se em “Back To Their Sources” começamos a sentir a força das vozes e como elas empolam toda a carga teatral, é em “Love’s Great Malevolence” que 15 vozes assumem um canto maior, de um amor traído. São vozes que nos parecem, de alguma forma, dar-nos alento, conforto a um amor perdido. Excelência da música em pleno, que traduz, em notas e instrumentos ímpares, uma tragédia tantas vezes interpretada nas mais diversas formas de expressão artística.
Neste precioso álbum temos: Socratis Sinopoulos (alaúde de Constantinopla, lira de Constantinopla); Haris Lambrakis (flauta ney); Nikos Ginos (clarinete); Marie-Cecile Boulard (clarinete); Alexandros Arkadopoulos (clarinete); Giorgos Kaloudis (violoncelo); Andreas Katsigiannis (santour); Andreas Pappas (bendir); Eleni Karaindrou (voz). A edição física do álbum inclui as traduções para inglês de letras por Eleni Karaindrou e Antonis Antypas, e fotografias, de Alexandros Filippidis, da produção teatral de “Medea” no Ancient Theatre of Epidaurus. Um álbum a ouvir. Pela mão da ECM Records, bons sons! •

© Fotografia do álbum: Sara Quaresma Capitão.
© Fotografia de Eleni Karaindrou: Athina Kazolea, ECM Records.
© Fotografia: Sara Quaresma Capitão.