“Cyrano de Bergerac”, de Edmond Rostand, vai estar em cena no Grande Auditório do Centro Cultural Vila Flor (CCVF), em Guimarães, este mês de outubro, num espetáculo único.
“Cyrano de Bergerac” chega a Guimarães pelas mãos da companhia Primeiros Sintomas em coprodução com o Teatro Maria Matos, onde estreou no passado dia 04 de outubro, com encenação de Bruno Bravo. A companhia explica que “este projeto nasce da vontade, antiga, de levar a cena um texto de uma obra ímpar no universo teatral, onde a poesia e o drama se misturam.”. “Cyrano de Bergerac” estreou pela primeira vez em Paris, em 1897. Tornou-se, imediatamente, um sucesso e chegou aos dias de hoje como um caso raro no universo clássico do teatro, em que a personagem suplanta o autor. Esta é uma peça invulgar. Trata-se de um poema épico e dramático, uma aparente contradição que só teve paralelo na tragédia. No entanto, Cyrano aproxima-se mais do imaginário melodramático com traços marcadamente cómicos – derivados, sobretudo, dos longos trechos de Cyrano e da sua capacidade de usar a palavra de um modo tão letal como a sua espada. Uma obra ímpar que já cruzou, certamente, o caminho de todos os amantes de boas obras, de bom teatro.
A maravilhosa história de amor, a relação entre a poesia e o teatro, o drama e a comédia, indissociáveis, como Cyrano e o seu proeminente nariz, tornaram esta peça muito popular. Contudo, por baixo dessa camada maravilhosamente acessível a todos, encontramos um rigor, uma complexidade e uma riqueza na linguagem que justifica o que alguém resumiu depois da estreia em 1897: “Por que o teatro e a poesia trocarão um sorriso infinito ao constatar que depois de tantas obras-primas pode surgir uma, ao mesmo tempo clássica e moderna, reunindo todas e ultrapassando-as a tal ponto que jamais o teatro havia ido tão longe na poesia nem a poesia tão perto do teatro?” Não é possível conceber Cyrano sem o seu nariz, de todo. Tal como o Pinóquio, de Carlo Collodi, ou o Major Kovaliov, de O Nariz de Gogol, o nariz representa e molda a personagem, ganhando uma dimensão que ultrapassa largamente o espetro fisionómico para ganhar significados mais amplos, de identidade e de condição humana, a sua incapacidade para se declarar a um amor. A deformidade de Cyrano contrasta com o seu ímpeto intelectual de poeta e filósofo. A sua brutalidade com a sua extrema sensibilidade. A paixão pela beleza, pela liberdade, pela poesia e, finalmente por Roxanne (entretanto uma das mais belas figuras femininas da literatura dramática).
Para Cyrano o amor é o único e verdadeiro condutor do mundo e do Homem. Roxanne é o objeto último do seu desejo. No entanto, e este é o verdadeiro elemento trágico desta peça, esse amor jamais será consumido. A deformidade sublinha a sua forte timidez e Cyrano declarar-se-á a Roxanne, ao longo de toda a peça, mas apenas por meio de Christian – nobre soldado e exemplo perfeito de beleza pura, mas incapaz de escrever uma frase medianamente interessante. Cyrano, num ato absoluto de altruísmo, apenas explicável na escala das paixões impossíveis, ajuda Christian a conquistar Roxanne, escrevendo sonetos que Christian dirá, como se fossem seus, a Roxanne.
Este espetáculo sobe ao palco no próximo dia 24 de outubro, às 22h00. Se está ou estiver por Guimarães, apareça. •
+ CCVF
© Fotografia: Eduardo Breda.