Iniciado em 2004, o OUT.FEST – Festival Internacional de Música Exploratória do Barreiro celebra a música experimental em todas as suas vertentes estéticas (música improvisada, electrónica, jazz, música clássica contemporânea, novas linguagens), juntando na sua programação a história, o presente e o futuro da criação musical de vanguarda. A edição de 2015 está aí, com cartaz alinhado.
Este ano o festival decorrerá de 08 a 11 de outubro e integrará novos palcos, estando subjacente ao novos cenários o desejo habitual, que marca o OUT.FEST, de mostrar novos espaços da cidade ao público e, no caso particular da ADAO – Associação Desenvolvimento Artes e Ofícios e da Escola Conde de Ferreira – Centro de Produção e Participação Artística, acompanhar o surgimento de dois sitios que, neste momento, marcam um renascimento e reavivar da dinâmica artística local. A saber: Museu Industrial da Baía do Tejo. No coração da zona industrial do Barreiro, ocupa o edifício da antiga “central diesel”, construído em 1935. Reúne um espólio constituído por equipamentos industriais de índole diversa e um acervo documental e iconográfico considerável, representativo de áreas como a química, a têxtil, a metalomecânica, a produção de energia, a segurança e higiene industrial, os serviços sociais, entre outras.
A recém-criada ADAO, que tem vindo a ocupar e a reabilitar o antigo quartel dos Bombeiros Sul e Sueste, um edifício absolutamente emblemático da cidade repleto de salas e espaços distintos que têm vindo a ser utilizados por artistas plásticos, músicos e artesãos locais de várias gerações. A Escola é a primeira do Barreiro, construída em 1866, que após seis anos desativada, foi cedida em 2015 pela CMB à OUT.RA, à Hey! Pachuco e à Rumo – Cooperativa de Solidariedade Social, para a implementação de um projecto comunitário de desenvolvimento local assente numa reabilitação artística. São estes os espaços que abrem portas ao OUT.FEST.
Falando, agora, do cartaz. Temos Matana Roberts (imagem acima) é uma reputada compositora, líder de banda, saxofonista e experimentalista sonora, trabalhando internacionalmente em diversos contextos e campos artísticos incluindo a improvisação, dança, poesia e teatro. Nascida em Chicago, residente em Nova Iorque há vários anos, considera-se uma compositora mutidisciplinar auto-didata de raiz, procurando aprender mais ao longo da sua vida aproveitando programas gratuitos de artes no sistema público de ensino norte-americano. Têm-se avolumado as nomeações e atribuições de prémios de mérito artístico e foi laureada com bolsas para pesquisa criativa, ligadas ao mundo do jazz e das músicas contemporâneas, surgindo também convites para ensinar, participar em debates, conduzir workshops e abraçar residências artísticas em inúmeras paragens, com diferenciadas tipologias e condições. Um palmarés de respeito. A terceira parte do seu projeto “Coin Coin” foi publicado na Constellation Records em fevereiro deste ano, destaque para um acordo com o selo canadiano para editar os 12 LP’s que planeou desde o primeiro volume, em 2011. Esta série criticamente aclamada e que a tornou mais conhecida junto do público melómano, almeja revelar as raízes místicas e canalizar as tradições intuitivas, de elevação espiritual de expressão criativa, aliado a um substantivo compromisso com noções de narrativa, história, e expressão política e de comunidade(s), no âmbito de estruturas musicais não estandardizadas.
© Magic Science Quartet.
“Magic Science” era uma expressão que Jimi Hendrix costumava usar para descrever o devir do tipo de música futurista que ele procurava criar e perfeita para um grupo que inclui os talentos e experiência de Henry Grimes como de Marshall Allen. Henry Grimes é o lendário contrabaixista que tocou com Cecil Taylor, Thelonious Monk, Albert Ayler e muitos outros antes de desaparecer do mundo do jazz por volta de 1970, sendo descoberto apenas no início deste século e, com a ajuda de um empréstimo de um contrabaixo de William Parker, relançado o seu percurso musical e tomado conta que continuava tão ou mais valorizado e requisitado como outrora. Marshall Allen juntou-se à mítica Arkestra de Sun Ra em 1958 e tocou e gravou quase sempre exclusivamente com a formação daí em diante, por entre viagens pioneiras em concertos ao vivo e edições um pouco por todo o mundo, nomeadamente no selo discográfico El Saturn Records, que Ra “geriu” com o seu íntimo aliado Alton Abraham. Allen assumiu o comando da Arkestra em 1995, depois da partida do líder em 1993 e de seu sucessor John Gilmore nesse ano, sendo nada menos que admirável a sua perseverança e vitalidade em aos 91 anos continuar a levar um dos legados musicais mais importantes da música do século XX a novos públicos. O Magic Science Quartet é completado com o baterista e percussionista Avreeayl Ra e a pianista e ‘shaman drum’ Ka, e vamos poder testemunhar em estreia nacional a sua alquimia humana e musical de frequência e mistério, precisão e folclore, ciência e magia, no OUT.FEST 2015.
© Laraaji.
Laraaji é criador de uma música panegírica do cosmos e um convicto praticante e promotor da meditação transcendental através do riso, baseado em Nova Iorque. Começou a tocar música nas ruas na década de 70, improvisando temas hipnóticos na sua ‘zither’ personalizada que processa com efeitos electrónicos, motivado pela sua pesquisa pessoal e entendimento de culturas místicas orientais. Editou o primeiro LP ‘Celestial Vibration’ em 1978, ainda usando o seu nome de nascença, numa tiragem muito curta. No ano seguinte Brian Eno viu-o a tocar num parque público e convidou o músico a gravar um álbum para a sua série ‘Ambient’ (‘Ambient 3: Day of Radiance’, editado em 1980). Desde então Laraaji publicou profusamente muita da sua música gravada em casa, vendendo-a em formato cassette durante as suas actuações no circuito norte-americano de centros de meditação e yoga, um paradigma de sustentabilidade militante de comunidades em rede paralelo ao negócio rentável do que se tornou o mainstream mais caricaturável da New Age. Em anos recentes tem vindo a colaborar com uma nova geração de músicos, dos Blues Control a Sun Araw, e em 2013 a editora All Saints de Brian Eno lançou a compilação ‘Celestial Music 1978-2011’, e reeditou os álbuns ‘Essence/Universe’ (1987), ‘Flow Goes The Universe’ (1992) e ‘The Way Out Is The Way In’ (1995), estes dois últimos agrupados como ‘Two Sides To Laraaji’. Ao OUT.FEST vem apresentar ‘The Peace Garden’, para o qual convida cada membro do público a conectar-se com o seu ‘Jardim da Paz’ interior num ambiente de workshop/performance simbiótico que combinará exercícios de yoga e de escuta profunda. A proposta de Laraaji é de guiar os seus pupilos da ocasião por uma viagem de canto resultante de chamada e resposta, linguagem exploratória, espreguiçar suave e posturas de respiração e riso para aprendizagem da postura de meditação sonora conhecida como Savasana. A sessão culminará com um uma extensiva e imersiva performance musical, onde a ‘zihter’ electrónica, mbire, gongo, espanta espíritos e voz se combinam para conduzir os presentes para uma jornada interior rumo a sítios de profundo desprendimento, descanso e harmonia. Aberto a todo o tipo de participantes, não sendo necessária experiência prévia ou frequente em yoga. Aconselhável levar tapete de yoga, água para beber e roupa confortável…
© Sakta & Domenico.
Editado em 2013 pela editora portuguesa Mbari, que publicou a sua estreia em disco, ‘Iruman’, o duo de Sakata e Domenico é um curiosíssimo encontro de gerações e escolas. Sakata é um pluralista nato no saxofone e clarinete, tendo passado as últimas quatro décadas a trabalhar entre o free jazz, a improvisação, e a forma como estes domínios estéticos e discursivos podem jogar com vários tipos de orquestração (pop, lounge, jazz de lobby de hotel), trabalhando também, claro, numa dimensão nada especulativa e imediatamente próxima de onde vem o seu discurso, eminentemente jazz. É dessa maneira que se posiciona para o encontro com Di Domenico, que é um pianista claramente pós-Cageiano, lidando com brilho e intuição com as boas regras da aleatoriedade e do caos que Cage desenvolveu (através das ordens infinitas do universo). Tanto se ouvem traços de Charles Ives e David Tudor no seu piano, como o tipo de calor melódico e harmónico dos trabalhos de colectivos de câmara modernistas, caso da Penguin Cafe Orchestra ou dos Aksak Maboul. Em ‘Iruman’ a sensibilidade melódica e elegância frásica de Sakata florescem (percebe-se porque o visionário músico e produtor Jim O’Rourke o tem em tão alta estima), libertados e libertando as estruturas tonais de Domenico.
A ir, no Barreiro. •
+ OUT.FEST
© Fotografia de destaque: Matana.
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