Nunca, como agora, tivemos tanta saudade da rotina cultural, nem tanta sede de experiências sensoriais. Nesta “nova era”, os museus revelam-se espaços perfeitos para recuperar, anímica e intelectualmente, da temporada de dormência social e cultural a que sobrevivemos de forma estóica.
Depois de meses votados à cultura entre quatro paredes ou, mais precisamente, à cultura do ecrã, e até de uma certa overdose digital que nos deixou com uma sensação algo sufocante — já não bastava o contexto —, como se ao perder o livestreaming daquele concerto ou aquela conferência virtual perdêssemos também o fôlego para enfrentar as provações a que a pandemia nos sujeitava, eis que é tempo de nos reencontrarmos com o espaço público e, em particular, com os museus, lugares privilegiados para um regresso às nossas rotinas culturais.
O advento da Cultura no digital levantou questões quanto à subversão dos hábitos de consumo, ao comodismo nos públicos e até à habituação a uma certa gratuidade, mas nem tudo terá sido negativo nesta “fúria da digitalização” a que assistimos, desde logo, porque as manifestações culturais online foram como um maná espiritual para muito de nós. No entanto, reconhecemos que dificilmente essas vivências culturais no digital são superadas pelas que podemos ter in loco, nos museus convencionais; e nunca, como agora, o “convencional” nos pareceu tão atraente!
Em tempos de pandemia, e de acordo com o mais recente estudo da UNESCO , Report on Museums Around the World in the Face of COVID-19, cerca de 90% dos museus espalhados pelo Mundo fecharam e mais de 10% poderão não reabrir, sobretudo, os que se encontram em regiões com menos recursos. Felizmente, neste nosso berço privilegiado que é a Europa ocidental, temos à disposição 65% dos museus existentes em todo o Mundo!
Precisamente no cenário europeu, a reabertura tem sido gradual e, naturalmente, dependente do grau de desconfinamento definido em cada país. Se em Londres as galerias Tate só reabrem a 27 de julho e o Victoria & Albert ainda não pondera abrir, na vizinha Espanha, o Guggenheim de Bilbao abriu a 1 de junho e o Museu do Prado acaba de reabrir sob o mote #vuelveaprado, com uma nova perspetiva da sua coleção permanente — vale a pena espreitar este vídeo da montagem —, que agora tem nova montra para as suas obras mais emblemáticas.
No país europeu mais malogrado pela pandemia, Itália, os museus do Vaticano abriram portas no início do mês de junho com um extenso manual de regras imposto aos visitantes, desde logo, a redução da lotação e a medição da temperatura corporal dos visitantes. Também as galerias Uffizi estão abertas desde 3 de junho, impondo ao visitante todo um comportamento adaptado aos novos tempos. Em Paris, o incontornável Louvre reabriu dia 6 de julho, definindo uma nova etiqueta de visita e bilhetes vendidos por slots horários. Na Holanda, o Rijksmuseum reabriu com a definição de três circuitos de sentido único e várias outras regras, entre elas, uma peculiar: “é proibido fotografar e filmar”.
Sendo provável que esta regra seja replicada mundo fora, por se entender que prejudica o fluxo de visita, soa, no entanto, a um retrocesso na acessibilidade dos museus. Fotografar no museu é também uma forma de interação com o espaço, é uma forma de dar asas às nossas emoções e criatividade e de participar da própria arte. Outros museus, como este Museu de Arte de Atlanta (EUA), têm políticas de boas-vindas bem mais atrativas: “Please, take photos!”, “Sketching is welcome” ou “Nursing at the Museum” são três excelentes indicadores de abertura à comunidade, sem grandes entraves e sem colidir com as devidas precauções em tempos de pandemia.
De regresso a solo lusitano, os museus e monumentos tutelados pela DGPC voltaram a abrir portas a 18 de maio, coincidindo com o Dia Internacional dos Museus e têm asseguradas todas as condições de segurança, por isso, não se façam rogados! Saibam que um museu de arte pode ser um lugar incrível para um reencontro com um amigo ou para ter uma conversa transcendente sobre a vida, induzida pelas obras que nos rodeiam. Se optarmos por deambular sozinhos por estes espaços, podemos dar liberdade aos sentidos e às emoções, beber da tranquilidade que nos é oferecida e desfrutar de uma verdadeira experiência metafísica, depois de meses confinados à nossa casa.
Entre tanta incerteza que ainda nos rodeia, uma coisa é certa: a experiência de visita a um Museu irá mudar. Nos próximos tempos não teremos aglomerados de pessoas a acotovelarem-se diante da Mona Lisa ou do Guernica. Ou a testemunhar o beijo de Klimt, como na foto que ilustra este artigo, registo fotográfico feito no Belvedere há precisamente um ano. O que torna os museus ainda mais convidativos, convenhamos.
Mais do que carpir lágrimas pela ausência de turistas estrangeiros, os museus têm aqui uma excelente oportunidade para se reinventar, para investir em novas abordagens, aplicar novas estratégias de marketing e seduzir o público local e geral (e não apenas o especializado). Sim, este também é tempo dos museus reencontrarem o seu público e de entenderem que a acessibilidade vai muito além das barreiras físicas. Que seja um feliz reencontro para ambos.
Sugestões para um regresso aos Museus
Cá dentro, para os cautelosos
“A Ópera Chinesa” , no Museu do Oriente (Lisboa), até 30 de abril de 2021
“Picasso, Mestre Universal” , no Palácio dos Anjos (Algés), até 30 de agosto 2020
“Em Torno do Acervo II” , no Museu Júlio Pomar (Lisboa), até 27 de setembro 2020
Lá fora, para os audazes
“Reencuentro” , no Museu do Prado (Madrid), até 6 de setembro 2020
“In the Picture” , no Museu Van Gogh (Amesterdão), até 30 de agosto
“En la Vida Real – Olafur Eliassen” , no Guggenheim Bilbao, até 4 de abril de 2021
•