Gosta de dar entrevistas, porque diz que é uma forma de fazer terapia. Acredita que com o novo trabalho, “Standards”, deixará de ser invisível para o grande público. Se não resultar, esta pode ser uma das últimas entrevistas de Lloyd Cole.
“Standards” é sobre o quê? Pergunto isto porque nos últimos 10/15 anos, fez música acústica, foi inspirado pelo álbum de Bob Dylan, “Tempest”, que é, sobretudo, um músico folk, e, no entanto, este é um disco de música mais elétrica.
Não penso em Bob Dylan apenas como um músico folk, penso nele como um artista. Durante alguns anos, considerei-me um músico folk, tocava com uma guitarra acústica. Como é que me haveria de classificar? Mas os meus discos não eram de folk, eram simplesmente quiet records porque eu achava que, quando entrei nos meus 40, era o tipo de música que as pessoas mais velhas faziam.
E porque Dylan tinha feito precisamente aquele disco com 72 anos.
Quando o ouvi, percebi que andava a perder o meu tempo ao preocupar-me com o que é que seria a idade certa para fazer esta ou aquela música. Era melhor fazer aquilo que me apetecia e o que me apeteceu foi fazer este disco.
É por isso que “Standards” é tão comparado a “Rattlesnakes” (primeiro álbum de Lloyd Cole and the Commotions, 1984)?
Comparam-no muito?
Sim, os críticos dizem que é o seu melhor trabalho desde “Rattlesnakes”. Consideram que tem a mesma energia, o mesmo som.
Quando faço um disco muito bom dizem sempre isso (risos).
Mas disse que tinha feito “Rattlesnakes” para poder ganhar dinheiro, para fazer o que mais gostava: música. Com “Standards” foi o mesmo.
Sim, há um pouco de mim neste disco muito parecido com “Rattlesnakes”. Quando o fizemos, ninguém nos conhecia, éramos invisíveis. Aquele disco era uma espécie de manifesto: somos os Lloyd Cole and the Commotions. Agora, ainda que não seja totalmente invisível, estou mais perto da invisibilidade do que estava há uns anos. Sinto-me como se estivesse num nicho: ‘este é o canto do Lloyd e ele pode fazer o que quiser, mas não é preciso ter muita atenção, porque não é para todos’. Mas eu sempre quis fazer música para todos, queria ser como o Michael Jackson, o Bob Dylan, o David Bowie, que faziam música para toda a gente…
O problema era de quem: do Lloyd ou da indústria musical?
Acho que não tem tanto a ver com o meu trabalho, mas com a forma como ele é transmitido ao público. Faço espetáculos acústicos e as pessoas pensam que me afastei do mainstream. Uma das coisas que me deixaria feliz este ano é se “Standards” tivesse muita atenção. Há uma diferença entre fazer discos e fazer concertos: eu faço um disco como se escreve um livro, como se pinta um quadro, é uma coisa que se sustenta sozinho, é algo para ser ouvido, escutado.
Li numa entrevista que, nos anos 90, quando voltou a Londres, teve consciência dessa invisibilidade. Como é que se sentiu?
Eu era um bocado intragável quando era uma pop star, não gostava que as pessoas me seguissem e queixava-me da fama. Hoje, sinto-me embaraçado. Não se pode querer ter sucesso e não querer que as pessoas nos olhem e falem connosco. Eu estava habituado, quando saía à rua, às cabeças a virarem-se. Andar nas ruas e sentir que não era uma pessoa magnética não foi uma sensação muito boa, porque continuo a fazer música para as pessoas gostarem.
Estas canções foram compostas para este álbum ou já estavam escritas?
Há apenas uma canção que estava praticamente pronta, “No Truck”, porque já a tinha vindo a cantar há cerca de um ano em concertos.
É uma das minhas preferidas.
Obrigada, é uma das minhas também. O resto do álbum ficou completo rapidamente porque tive a oportunidade de o trabalhar durante 10/12 semanas. Ia para o escritório e escrevia, algo que nunca tinha feito, porque achava que só trabalhava sobe a inspiração. Agora sei que a inspiração é momentânea, é algo que, quando surge, temos de anotar, mas tudo o resto é trabalho.
“Standards” é uma viagem ao passado? Porque disse que tinha pensado na sua idade quando o escreveu.
Não o escrevi baseado na idade. O que me entusiasma é que a forma de trabalhar é completamente diferente de há 25 anos. Como estou mais velho, tem necessariamente de ser diferente. Desde que não finja que tenho 30 anos, acho que vai correr tudo bem. Ainda posso escrever sobre mulheres, ressentimento, amargura, mas já não falo sobre juventude, porque não a sinto, mas posso falar sobre as minhas lembranças dela. Sempre tive medo de fazer um trabalho semelhante ao anterior, porque não queria que as pessoas deixassem de me ouvir. Isso não aconteceu, mas deixariam de me ouvir na mesma (risos). Agora sinto que posso voltar, como os Beatles fizeram no último disco, “Let it Be”, que ia chamar-se “Get Back”, porque queriam voltar à mesma sensação de 1960. Não sei o que vou fazer a seguir, mas enquanto conseguir escrever canções acho que me vou sentir como no início.
Mas disse que este seria, provavelmente, o seu último trabalho como cantor pop.
Este será, provavelmente, o meu último disco apresentado desta forma, porque a promoção custa muito dinheiro, muito tempo, muita energia e nos últimos 10 anos acho que não tem resultado.
O seu filho William entra no vídeo de “Period Pieces”, o single de lançamento. É como ver o Lloyd quando chegou a Nova Iorque depois dos Commotions. Teve essa intenção?
Queríamos mostrar um jovem que anda pela cidade e muitos anos depois, o mesmo homem, mais velho, lembrando-se dos tempos em que era jovem. A letra daquela canção é sobre olhar para o passado.
Às tantas diz, na canção, “não tenho medo de morrer”.
A personagem diz isso. Eu tenho medo de morrer (risos).
Porque é que ela diz isso?
Ele está a morrer na primeira parte da canção e está morto na segunda, mas continua a cantar, sobre os seus sentimentos, a sua posição no mundo, como é que as coisas eram quando ele estava numa posição forte… Nunca tinha pensado nisso até agora… A canção foi inspirada pela ideia do muro de Berlim derrubado, enquanto os U2 tocavam música para celebrar essa queda. Sempre gostei dessa imagem.
Disse uma vez que se Byron fosse vivo seria um escritor de canções. Considera-se um poeta?
O que os poetas faziam durante os séculos 18 e 19 é muito o trabalho que os escritores de canções fazem hoje.
Nunca pensou fazer como Leonard Cohen ou Nick Cave e escrever livros?
Quando penso no que ainda quero fazer é sempre relacionado com música, é ainda o que me atrai.
Mas as canções são pequenas histórias.
Sim, mas eu gosto de pensar nelas como cenários, tento não as acabar, gosto que sejam as pessoas a acabá-las.
São histórias abertas e as pessoas podem vê-las de forma diferente…
Exato. É por isso que um artista reflete a sua arte. Podemos colocar alguma coisa nossa quando a ouvimos. Uma canção que nos diz como é que a devemos perceber não é uma coisa excitante. Arte didática é uma contradição. Se é didática, não é arte, é propaganda.
Houve uma altura em que estava muito desapontado com a indústria discográfica. Ainda se sente assim?
Ainda.
Tornou-se uma pessoa amarga?
Não me tornei amargo por causa dessa indústria e tenho consciência de que tive sorte por ter uma carreira de 30 anos. Mas, de vez em quando, quando já bebi uma cerveja a mais, sinto-me subvalorizado em alguns países. Não o sinto aqui, na Suécia ou na Alemanha, mas quando olho para um país como Reino Unido que tomou a sério a música estereofónica não percebo como é que alguém consegue ouvir aquilo. É a mistura do muito baixo com o medíocre.
Vai ouvindo as novas bandas?
Já não ouço tanta música como fazia…
Porquê?
Gosto do silêncio. Coloco tanta energia no meu trabalho que há períodos em que não aguento ouvir mais música. Ouço muito durante as tournées quando descontraio e ligo o iPod, mas, geralmente, estou dois anos atrasado com o que se ouve.
Está satisfeito com este trabalho?
Estou entusiasmado, porque há a oportunidade de voltar a estar perto de onde estava. Acho que o álbum tem um som para muitas pessoas parecido com aquilo a que os The Commotions soavam, embora eu não goste muito dessa ideia. Mas acho que estou mais perto de deixar de ser invisível. •
© Fotografia: Kim Frank