Representar, Ponto! / Diogo Infante

Infante de reinado dedicado à representação. Ator de corte que o aplaude. Diogo de Shakespeare, Brecht, Sófocles… e quem sabe, um dia, de Rostand.

Fugindo de Corinto tentou evitar terrível profecia. Quis contornar destino traçado, mas por homem de Laio, Édipo viu que em vão tinha sido sua tentativa. Sente que lhe foi lançada profecia, de ser ator?
Gostaria de crer que sim, que há uma pré-disposição que determina caminhos, mas eles mudam. acredito que escrevemos o nosso caminho, eu quis este. Seja por indicação divina ou de outra natureza, cedo percebi que queria fazer isto. representar, a chorar ou a rir, em que registo fosse, queria representar. É uma forma de me exercer, expressar e comunicar. em miúdo era tímido e, embora bastante articulado, tinha algumas dificuldades na comunicação com os outros e só quando subi a um palco é que percebi que tinha visibilidade e fui conquistando esse espaço.

Mack the Knife casou com Lucy Brown e com Polly Peachum e não vivia sem Jenny. Teatro, cinema, televisão. Numa “Ópera de Três Vinténs” quem seria, o primeiro laço, o ilegal segundo e a amante? Difícil?
Não, não é difícil. Lembrei-me que fiz de Inspetor Brown e tenho pena de não ter feito Mack, papel maravilhoso, mas na altura era muito novo. Não consigo fazer uma opção. Gosto de representar! Em cada área, em cada mulher da minha vida, tenho um prazer distinto e é tão fantástico. Na diversidade nós podemos completar-nos. Se me obrigarem a escolher uma para o resto da vida, creio que seria, necessariamente, o teatro. É o espaço de reencontro e uma espécie de casa. Seja aqui (Comuna) ou em que palco for.

“Ah, as praias longínquas, os cais vistos de longe,/ e depois as praias próximas, os cais vistos de perto.” Olhando para trás e mais perto, qual foi o cais que mais gostou?
Os cais que mais gostei são os que estão para vir. Não sou de ficar agarrado ao passado. Encaro-o como percurso, transição necessária, crescimento; prezo muito isto, mas não fico agarrado a nenhum porto. Estou sempre a olhar para a frente. Às vezes, olho demais, para aquilo que não se vê. Esse projeto da “Ode Marítima”, de onde tiraste esse texto fantástico, posso dizer-te como curiosidade que ele vai voltar a acontecer! Foi tão feliz, deixou-me uma impressão tão intrínseca que, naquela noite em Coimbra, decidimos fazer um espectáculo, com os mesmos intervenientes, mas com dimensão teatral, a estrear em março no Teatro São Luiz e depois no Teatro São joão.

“E quando o navio larga do cais/ e se re- para de repente que se abriu um espaço/ entre o cais e o navio,/ Vem-me, não sei porquê, uma angústia recente,/ uma névoa de sentimentos de tristeza.” A cada trabalho acabado, quando um espaço se abre, há tristeza?
Suponho que sim, mas não a sinto, como não gosto de despedidas, evito-as. Nunca digo adeus. Digo até já e quando estou a tirar um pé daqui, já tenho o outro num outro sítio qualquer. Lá estou eu a olhar para a frente.

Não há tempo para saudade?
Há, mas não gosto da ideia da nostalgia. Tenho medo de ficar amarrado e que esse sentimento me retenha, me impeça de progredir. Sou muito emocional, se calhar por isso, compenso com uma certa racionalidade e uma vontade de ir.

“Representar, a chorar ou a rir, em que registo fosse, queria representar.”

Tudo começa com Egeu que tudo acerta com o Duque de Éfeso. Depois, vem Adriana que baralha tudo com o Drômio de Siracusa na entrada. Todas as peças, quando em cena, têm uma “Comédia de Erros”?
A vida é feita de erros. Isso é tão delicioso. Não podemos perder a capacidade de rirmos de nós próprios e de não levar isto demasiado a sério porque senão perde algum sentido e leveza. O olhar da vida pelas crianças é tão fantástico por isso, porque eles têm essa capacidade de desconstrução e tento aplicar isso naquilo que faço. Esforço-me. Sou tendencialmente sério e tento que outros me digam “Diogo, isto era uma brincadeira! Relaxa!”. Hoje, estou muito mais sereno desse ponto de vista, abraço com mais espontaneidade a falha.

Abraçamos a “Comédia de Erros”?
Absolutamente! A vida é uma comédia de erros, é com eles que aprendemos.

E quando nada falha, quando Olívia fica com Sebastian e Viola com Orsino… É uma “Noite de Reis” ou é só uma noite de infantes?
Infante é pouco. Quando tudo corre bem é sublime e, às vezes, passamos uma vida inteira em que isso não chega. Eu tive muitas noites de infantes, fantásticas, de príncipes, donzelas e cortes, mas continuo a perseguir esse momento último em que tudo faz sentido, apoteótico, libertador e se calhar ele nunca chegará. Ou se calhar já o tive… Estou sempre à procura dele porque creio que é sempre mais.

“Vós sois o sal da terra”. Preservar o bem, para evitar males como a soberba, a presunção ou a traição. No “Sermão de Santo António aos Peixes”, Pe. António Vieira é educação. Representar estas obras é o nosso sal?
Foi essa a razão que me levou a desenvolver este projeto, ver que havia espaço para ele, que uma grande parte dos miúdos ficam atentos e que a ouvi-lo descobrem um texto que lido teriam mais dificuldade em entrar. Tento fazê-lo de uma forma contemporânea, acessível e desse ponto de vista, é educativo, a vários níveis. Por um lado desconfiar da ideia pré-feita de que as coisas são eru- ditas e inacessíveis. Às vezes o que isso pressupõe é um pequeno esforço que pode ser muito recompensador porque nos devolve uma dimensão de nós pró- prios que desconhecíamos. Temos que arriscar, sair da nossa zona de conforto e fazer esse esforço que para mim tem sido sempre muito recompensador e mesmo quando não é, continua a ser educativo, porque aprendo com os erros. Cá está, “Comédia de Erros”!

“A vida é uma comédia de erros, é com eles que aprendemos.”

“Somos feitos da mesma matéria de que são feitos os sonhos”, doce “Tempestade”. De que são feitos os sonhos do Diogo?
Creio que somos feitos da matéria dos sonhos. Se não tivéssemos capacidade de sonhar, não tínhamos capacidade de evoluir como povos, seres individuais e pensantes. É o sonho que nos leva mais longe e os meus sonhos, são sempre de alcançar algo que seja palpável, realizável. Não perco muito tempo com sonhos irrealistas, gosto de sonhar com aquilo que sei que consigo alcançar, de me desafiar a ir mais longe, nem sempre consigo, mas não concebo a vida sem sonho.

“Bem pago está quem por satisfeito se dá”, uma vez satisfeitas as curiosidades e como “Bem está o que em bem acaba” por fim, “o louco, o amoroso e o poeta estão recheados de imaginação”. O Diogo está recheado de?
Estou recheado de amor. Tenho a felicidade de ter vivido sempre acompanhado de um sentimento que me fortaleceu e permitiu acreditar em mim e no Homem. Acredito, convictamente, na capacidade do Homem de se exercer, reinventar e tento somar tudo isso nas parcelas que me couberem, tirar o maior partido disto porque cada vez mais tenho a consciência que a vida é curta e há que aproveitá-la, cada momento. É isso que estou a procurar fazer, a saborear tudo o que a vida tem para me dar, tentando resistir, às contrariedades da vida porque preciso de sorrir, de mover todos os músculos na cara que me levam a sorrir. É uma óptima terapia. •

Diogo Infante
© Fotografia: Ricardo Junqueira