D. Roberto, Regresso do Herói / Marionetas da Feira

A boca de cena aparenta tamanho reduzido. Os atores estão ali, nos bastidores, inanimados, adormecidos nos sonhos de histórias que querem reviver. Há um silêncio estranho atrás cortina. Há um passado quase esquecido. Há estórias adormecidas. Há olhares sem cor e… o silêncio esbate-se.

Um burburinho corre baixinho. Os atores despertam do que parecia um feitiço. Alinham-se por entre panos e fios, ajeitam as vestes que são sua pele, pas- sam a última cor, lançam olhares peri- féricos. Esperam, com curiosa cautela, entrar em cena; afinal, o mais admirado herói popular, do mais antigo teatro de fantoches de raiz popular, em Portugal, está em palco: D. Roberto. A história que carrega em si vem de há longe dos tempos em que uma Commedia dell’arte passava fronteiras e comediantes e bonecreiros itinerantes contagiavam uma europa medieval em representações litúrgicas, mas com o tempo os risos soltos que provocava, a irreverência, espírito crítico, tão típico deste teatro, levou-o ao silêncio no representar liturgias no idos séculos XVI e XVII… Por cá, e por lá, do silêncio fez-se uma mudança e companhias nasciam, autos religiosos de cariz popular subiam aquele pequeno palco e nas estradas, por aí a fora, foram novos caminhos encontrados. A história é mui longa e rica, e no meio de mudanças e visitas, aparece, no século XVIII o herói popular D. Roberto. de nome sonoro, mais tarde firmado, foi ele que nos levou a falar de tão bela arte. apresentamos, com Rui Sousa, Teatro Dom Roberto!

Renascer

Rui, também andaste em bastidores de sonhos e um dia acordaste para projeto tão rico?
Eu vivia num mundo de ilusão (pensando sempre poder irromper pelas trevas com o meu dom da arte). Passava o dia a dia num pesadelo, de atrofio criativo, onde tudo eram cargos e falta de inspiração. de repente, sem contar passo, de um pesadelo a um sonho no dia em que fui ‘atropelado’ por uma marioneta criada por mim, numa formação ao acaso. Como uma gota que transborda um copo no limiar do cheio, esta marioneta olhou para mim e transmitiu-me um subjetivo legado que eu um dia penso poder concluir. O permitir usar e abusar de técnicas e o misturar de artes faz desta arte, para mim, a mais bela, criativa e tradicional de todas (onde o marionetista pode ser também escultor, cenógrafo, ator, manipulador…).

Histórias

Há duas histórias que são os pilares que sustentam a tua boca de cena quando na teia te moves: “O Barbeiro” (conta apresentada a D. Roberto acaba em bela e animada pancadaria de humor e justiça) e “Tourada à Portuguesa” (pura comédia, cenas ligadas à tauromaquia onde o nobre touro leva sempre a melhor). Mas há ainda “A Rosa e os Três Namorados” (comédia de cordel), “O Castelo dos Fantasmas” (adaptação do “João Sem Medo”) e uma comédia ao gosto do nosso génio popular, “O Marquês de Pombal e os Jesuítas” (inquisidores são lançados ao mar pejado de tubarões e D. Roberto, a cada um lançado, diz: “mais um padreca!”). Os pilares mantêm-se?
Quando eu, o Alberto Castelo e a Telma Pedroso resolvemos abraçar este desafio de colocar em cena o Teatro Dom Roberto, sabíamos do legado, passado pelos mestres, que existiam quatro peças mais recorrentes e duas menos. Optamos por ”O Barbeiro” e “Tourada à Portuguesa”, pois são bastante conhecidas e ainda moram na memória popular. Em relação à “Rosa e os Três namorados” e ao “Castelo dos Fantasmas” são histórias que temos como objetivo colocar um dia em cena. Para já estamos a produzir duas novas estreias do Teatro Dom Roberto: o clássico que se diz ter existido – ‘Zé do Telhado’, e outra de raiz, seguindo todas as matrizes desta arte popular. Diz-se de boca a boca que existiam mais de cinquenta histórias, para além das mais conhecidas.

Personagem(ns)

Quem é o D. Roberto para ti? Descreve a alma do herói que nos faz chorar de tanto rir e caracteriza cativante boneco. Quais são os seus traços para, caso por mim ele passe, o reconhecer sem hesitar e lhe dar um belo saludo!
Europa fora existem outros heróis como o Dom Roberto. Todos eles seguem as mesmas linhas e tendem a ser muito semelhantes. Em Portugal, o nosso herói tem apenas de seguir duas coordenadas: sorriso de ‘tacha arreganhada’ e ter de cor de pele um rosa bem forte. O nosso herói é, para todos os bonecreiros, quase como um alter ego que extravasa todo um sentimento de revolta, estando ao lado dos injustiçados (algo intemporal).

Cenário

O vosso espaço cénico é singelo, único, com diretrizes que não devem falhar: a chita, que me salta à vista, quando me sento à espera do herói. Que nos ensinas sobre o palco?
A guarita ou a barraca é coisa de simples transporte e montagem, pois há muitos anos atrás o Teatro dom roberto era ganha-pão de gente simples e humilde, carregada de pobreza e com a guarda sempre à perna. os antigos mestres tinham de montar e desmontar a barraca rapidamente para exercer a sua função de maneira ágil a fim de, mal terminasse, juntar as moedinhas e fugir
para outro sítio. Fugia-se pois os conteúdos dos espectáculos eram corrosivos e bem populares, tendo como alvos de abate a guarda e o clero. Assim, o cenário passava por ser o melhor pano que houvesse à mão e a árvore mais bonita que se pudesse ter como fundo.

Palcos

Queremos ver e rever arte tão preciosa, onde a podemos encontrar? Por que estradas anda e pára o palco?
Esta arte pode ser vista em três modalidades: o Teatro Dom Roberto, o Teatro das Marionetas de fios, como era feito nos antigos pavilhões das feiras, e o teatro mais experimental com marionetas, mas com baixa dimensão na nossa estrutura. Nós andamos sempre por aí, como dizemos habitualmente. de praça em praça, de palco em palco, sempre com a tradição no coração e prontos a divulgá-la. Se quiserem podem visitar o nosso próprio palco, que fica na nossa sede em Santa maria da Feira e desfrutar, sozinho ou em grupo, de espectáculos, workshops e todo o ambiente de uma companhia de teatro de marionetas. Temos, em vista, várias datas para o natal e já para 2014, e para as saberem basta visitar o nosso Facebook e o nosso blog. Lá terão todas as novidades e agenda para poderem ser felizes.

Vamos ao Teatro Dom Roberto! Ali há algo de paradoxo…

© Fotografia: Marionetas da Feira.
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