A urbanidade transforma-se. As ruas trazem novas leituras. A arquitetura esquece o devoluto. Novas peles a cobrem. Telas imaginadas. Rostos dramatizados. Urbanidade renascida em rostos desenhados. Frederico DRAW, o street artist: rosto d’arquitetura.
À medida que percorro urbanidades, por arquitetos traçadas, vejo vãos transformados em telas de rua e questiono a dualidade. Com toma, um arquiteto, paredes alheias para telas d’arte? onde nasce o street artist?
O primeiro contacto com a street art foi prematuro, não recordo se algum dia estabeleci o objetivo: ser street artist. Certo que essa “vontade” se foi tornando mais intensa à medida que me envolvi com a prática e o tema. Anterior à intenção de vir a ser arquiteto, a street art desempenhou um papel fundamental no percurso enquanto estudante e artista visual, mas foi posteriormente a estar envolvido com a arquitetura que despertou a “vontade” de investir num novo projeto desenvolvido desde então e que aqui apresento. Embora matérias distintas, a relação entre street art e arquitetura tem pontos de concordância que, no seu complemento, me ajudam a ter uma diferente e mais crítica leitura do espaço que terá influência no resultado final das minhas obras. No que toca à apropriação das “paredes alheias” o meu trabalho é um registo de intervenção no devoluto, descaracterizado. Interessa-me que a obra aja como agente de transformação da cidade, na reabilitação imagética, atribuindo ao espaço público urbano novos valores e dinâmicas artísticas que poderão ser geradores de novas vivências espaciais e ocupacionais.
Mais passos, nova interrogação. a efemeridade da tua arte, sua revelia e leituras escondidas. Street art ainda é ser contra-corrente? Como defines esta arte?
Faz parte do movimento street art ser contra-corrente, mais não seja por ainda ser uma arte não institucionalizada. Contudo, apercebemo-nos de um crescente interesse por parte de críticos, curadores ou galeristas em relação à street art, o que leva a crer que, cada vez mais, se reconhece a potencialidade e valor como movimento artístico. Acredito que o seu universo é diversificado e polivalente, passando pelo legal e ilegal, pelo público e pelo privado, mas apoiado na mensagem, na vontade enraizada de intervir de forma criativa e democrática sobre uma tela acessível a todos, a cidade.
Passo lento. Andar sem movimento. Pergunto, ao olhar para a tua arte: como escolhes aquela parede, aquele muro? Como decides onde deixar a tua marca?
Esta questão é um dos principais problemas que condicionam não só o meu trabalho, mas da maioria dos artistas urbanos. Hoje, a possibilidade de ocupar e intervir legalmente sobre uma parede ou um muro nas cidades é extremamente difícil e limitada e, quando possível, burocrática. No Porto, e.g., cidade onde me encontro mais activo, vive-se uma forte politica anti-graffiti, uma exagerada falta de abertura e compreensão pelos valores e potencialidades da street art. As inexistentes áreas destinadas ou legalizadas fazem com que a maioria das obras dos artistas portuenses se encontrem em devolutos periféricos ou cidades próximas de politicas mais flexíveis. É certo que dentro de todas estas condicionantes, me preocupo em seleccionar as paredes ou suportes que parecem mais interessantes à integração do meu trabalho, pela dimensão ou pelo enquadramento espacial e ambiente envolvente.
Ainda sem movimento, há um facto que muitos não entendem: na tua arte tens profundo respeito urbanidade construída que raptas para ti, certo?
É princípio transversal ao meu trabalho. o respeito que nutro pelo espaço da cidade é uma condição do arquiteto. na minha prova de mestrado – “as imagens do espaço público urbano”, debrucei-me na forma como indivíduos, transeuntes, percepcionam imagens que proliferam no espaço urbano e constroem uma representação mental que lhes é fundamental na forma como vivenciam, se apropriam e se identificam com a cidade. Nesta lógica, quando me é dada a possibilidade de intervir sobre o espaço público, preocupa-me esse encadeamento entre a cidade, obra e observador, e a forma como o meu trabalho poderá ter impacto nessa equação.
Parada, a ver a cidade, acrescento. Dás olhares expressivos, carregados de história. Quando um rosto não terminas, o olhar não fica por desenhar. É ele que fala na tua arte?
Sim, é comum dizer-se “o olhar é a janela da alma” e nele dedico grande parte do meu trabalho. É através do detalhe do olhar que crio um diálogo com o observador, suscitando uma relação que transmita uma mensagem que estimule a dúvida, a interpretação, a inquietação, mas sobretudo a tentativa de descodificação da mesma. O olhar é elemento central das minhas peças e tudo à volta se vai começando a esbater.
Passo, não conheço aquela cara, mas conheço aquela. Desconhecidos, conhecidos. Quem são os rostos com que dás expressão à cidade?
A representação da figura humana, a queda pelas expressões faciais, foi sempre campo de interesse que tem vindo a fazer parte primordial da minha obra. Desde que comecei a trabalhar a expressão facial e corporal, em papel ou tela, a transposição para a grande escala adivinhava-se inevitável, levando ao que hoje é o enfoque que distingue toda a minha criação. Cativa-me o forte poder expressivo, daí que para mim tenha mais interesse debruçar-me na representação do rosto do desconhecido. Desviando, à partida, imediatas atenções sobre quem é representado para que, ao invés, sobressaia a mensagem, o sentimento enraizado na expressão.
Por fim, caminhando por paredes que esperam desenhos, pergunto onde és mais Frederico. Arquiteto, fotógrafo, street artist. Que diz o teu olhar se na parede o desenhares?
Uma resposta difícil. É impossível dividir-me e tomar partido de qualquer um dos meus campos de interesse. Penso que serei todo um resultado dessas partes que me caracterizam, tanto a nível pessoal como profissional e artístico.
E sigo, com o olhar na cidade desenhada. •
© Fotografia: Frederico DRAW.