Vendiam sonhos em forma de música. Cinema, pintura, jazz, canto lírico, pop, fotografia, arquitetura, fado e design misturados em palco nas composições de Nuno Rebelo e na voz de Anabela Duarte. Agora, uma das bandas mais marcantes da música portuguesa da década de 80 está de regresso. À venda neste mercado, estão os 30 anos após a formação dos Mler Ife Dada e novas surpresas.
Porquê os 30 anos dos Mler Ife Dada?
Nuno Rebelo – Acho que é daquelas coisas que partem mais dos produtores do que dos músicos. Talvez não nos lembrássemos de celebrar esta data, mas coincidiu passarmos férias com o Tiago Faden, o produtor deste espetáculo, há uns anos, e ele lançou, na altura, a ideia de celebrarmos os 30 anos em concerto. Em 2012, ele ligou-me para pôr em prática essa ideia. Mandei um mail à Anabela e aqui estamos.
De onde surgiu a ideia de fazer um projeto tão distinto de todos os outros que havia na altura, que eram mais ligados ao pós-punk, ao pop?… Onde iam buscar as vossas influências?
NR – Isso tem a ver com um período muito particular da minha vida, quando conheci o Jorge Lima Barreto. Eu vinha de um grupo pós-punk, os Street Kids, e estava desiludido com o universo restrito do pop e com a arquitetura, que estava a estudar na altura. O Jorge disse-me: “esqueça isso da arquitetura, vais ser um grande músico, mas vais ter de te cultivar!” Pôs-me a ouvir música clássica, músicas do mundo, numa altura em que pouca gente ouvia músicas do mundo…
Anabela Duarte – Eu já ouvia, tinha uma coleção imensa de musique du monde…
NR – É verdade. E os Mler Ife Dada formam-se nesse momento em que estou a descobrir que a música não era apenas universo mais restrito que eu conhecia, mas que havia muito mais do que isso.
Mas havia a intenção de quererem descontruir a pop?
NR – Mais do que descontruir era incluir na pop todas as influências que estavam fora do seu âmbito normal. E isto na perspetiva de que o nosso projeto podia incluir desde o mais significativo em termos culturais, mais sofisticado, mais elitista, mas também incluir o mais popular. Não queríamos excluir nada do panorama musical.
AD – Não éramos politicamente corretos. Mas não havia uma atitude premeditada. Nós não chegámos e achámos que éramos os melhores. O nosso estado era o ter muita curiosidade artística. A alavanca foi sempre uma curiosidade artística extrema.
Mas nessa curiosidade cruzavam também outras áreas: o cinema, a fotografia…
NR – Saía-se à noite ao Frágil e as pessoas com que nos relacionávamos era o Pedro Cabrita Reis [pintor], Pedro Casqueiro [pintor], José Nascimento [cineasta]. Havia uma trocas de influências, uma série de estímulos. Havia a Rita Filipe, que fazia as nossas roupas; o meu irmão, Sérgio Rebelo, que fazia as capas; a Luísa Ferreira, na fotografia…
AD – Havia um conjunto de pessoas que estavam em Belas Artes e que também contribuíam para este aspeto diferente que nós queríamos, para a música, para os vídeos que fazíamos. Se juntarmos tudo isto, há uma arte total. Por exemplo, nós tínhamos telas em palco, coisa que mais ninguém tinha, na altura. E aquilo criava uma cenografia espantosa. Nessa parte fomos pioneiros e marcámos alguma diferença. Levámos essa telas para o Porto, para um concerto no Rivoli, e ainda tentámos levá-las para outros espetáculos, mas era impraticável.
A tua voz era uma miscelânea de vários ambientes musicais, como o pop, o fado, o jazz, o canto lírico. Mas não tinhas formação de canto.
AD – Eu tinha passado vários anos no Conservatório, onde fiz ginástica rítmica, dança clássica e moderna, piano… Já tinha uma formação muito diversificada, mas não tinha de voz. Só a fiz mais tarde, depois dos Mler Ife Dada ou já na fase final dos Mler Ife.
Porque é que tendo esta diversidade e esta fusão de estilos, duraram tão pouco tempo? Gravaram apenas dois discos de originais: “Coisas que Fascinam”, de 1987; e “Espírito Invisível”, de 1989.
NR – Zangámo-nos. Eu andava a dizer mal da Anabela nos jornais e ela a dizer mal de mim, nos mesmos jornais.
AD – Não só nos jornais… [risos]. E não havia muitas condições para um grupo como o nosso existir naquela altura. E isso acabou também por gerar alguns conflitos a nível interno. O problema veio também do facto de a estrutura que existia em termos musicais, na altura, estar longe de ser a ideal e especialmente para um grupo idiossincrático como éramos. O meio estava cheio de músicos que exploravam vertentes mais ligadas à rock, mais ligadas à cultura anglo-saxónica. Os Pop Dell’Arte seria aquele grupo mais perto de nós, em termos ideológicos e estéticos, de certa maneira, mais arty. E nós estávamos muitos fora disso.
NR – Era muito difícil em termos de management encontrar alguém que apostasse muito em nós. Os managers funcionavam de uma maneira que era: ao pegarem num grupo tentavam moldar o grupo àquilo que eles consideravam vendável, em vez de tentarem perceber qual o espírito do grupo e e que forma isso seria vendável.
“O nosso estado era o ter muita curiosidade artística”
Anabela Duarte
Para o espetáculo de 14 de fevereiro, no CCB, em Lisboa, foram criados novos arranjos para as músicas.
NR – Mantém-se grande parte dos arranjos originais, porque gosto muito deles tal como eram, o que não existiam eram os sopros e as cordas que entram agora no espetáculo. É nesse novo ‘casaquinho’ que a diferença se manifesta mais.
Mas vamos ver o concerto e reconhecer os temas antigos?
NR – Absolutamente. E espero que fiquem bem agradados: “Uau! Isto é o que que era, mas ainda melhor [risos]!” Não quero que as pessoas sintam que dantes é que era bom. Fiéis à sua essência, mas melhores.
Vão ter também esse lado mais cenográfico?
AD – O Sérgio Rebelo fez imagens, o Nuno também fez vídeos para certas músicas. Vamos ter alguma cenografia em projeção-vídeo.
Vamos ter alguma coisa nova, neste concerto?
NR – Novas músicas, não. Vai haver a mais velha de todas, que é o “Nu Ar”, que foi escrita pelo Pedro D’Rey. Foi o primeiro tema a ser cantado por nós – é daí que vem o nome da banda – e só foi cantado nos 2 primeiros concertos. Nunca mais o tocámos.
Consideram fazer um novo trabalho?
AD – Temos falado sobre isso, mas precisamos de acertar agulhas e, neste momento, estamos concentrados em fazer este espetáculo. Mas também depende da receção a este projeto e da viabilidade ou não do projeto. Não nos interessa fazer coisas só por fazer.
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