Ontem cinco e hoje os últimos cinco de dez novos discos da editora portuguesa de jazz Clean Feed. Que se apresentem os álbuns a descobrir.
Hugo Carvalhais “Grand Valis” / Com Hugo Carvalhais (contrabaixo); Dominique Pifarély (violino); Gabriel Pinto (órgão, teclados); Jeremiah Cymerman (electrónica). O baixista e compositor português Hugo Carvalhais soma e segue. Depois de dois álbuns aclamados internacionalmente com seu trio piano(e sintetizador)-baixo-bateria complementados por convidados como Tim Berne, Émile Parisien e Dominique Pifarély, de novo, chega com algo diferente. Agora, sem percussão à vista, traz componentes electrónicos para a viagem: teclados de Gabriel Pinto e electrónica de Cymerman. Poderá sentir estranheza nesta interpretação da trilogia “Valis”, ficção científica, de Philip K. Dick, mas também sedução nas ondas sonoras de sonho. Tudo é ambíguo aqui, desde os acordes de órgãos retro-futuristas omnipresentes passando por atmosferas etéreas ou mais texturadas. Há um mistério do início ao fim, que não vai conseguir deslindar. “Grand Valis” é um mundo em si mesmo e sua resistência ao seu raciocínio é o que o vai fazer ouvir este trabalho, de novo.
Lama + Joachim Badenhorst “The Elephant’s Journey” / Com Joachim Badenhorst (clarinete e clarinete baixo); Susana Santos Silva (trompete e fliscorne/flugelhorn); Gonçalo Almeida (contrabaixo, efeitos e loops); Greg Smith (bateria, eletrónica). Talvez a mais orientada composição liderada pelo contrabaixista Gonçalo Almeida e também aquela onde os seus laços com Portugal estão mais presentes, graças ao envolvimento da trompetista Susana Santos Silva. Lama pode ser sonoridade poética e suave sem perder a condução e envolvência que associamos ao termo “jazz”. As ligações com a tradição são evidentes, mas o compromisso com a ideia de criar uma nova fórmula, para o século XXI, é prioridade. É jazz eletroacústico e por tal, reconhecerá elementos provenientes de outros estilos e tendências como, e.g., electrónica. Depois de uma colaboração muito bem sucedida com o saxofonista Chris Speed, o convidado em “The Elephant’s Journey” é o belga Badenhorst, com os seus clarinetes. Com ele, o som torna-se mais abstrato e escuro (com humor refinado), mas isso é necessário quando a música é uma leitura de um romance, de um autor premiado com um Nobel – José Saramago.
Joe Hertenstein’s HNH / Joe Hertenstein (bateria); Pascal Niggenkemper (contrabaixo); Thomas Heberer (corneta). Aqui está ele, o álbum HNH que se esperava. É um álbum especial e a nova música é bem diferente do disco de estreia de 2010. Desde o início, HNH tem vindo a misturar o sentimento da Big Apple com o gosto Europeu e a virar tudo do avesso, agarrando-o desde o início com a sua energia, som, interação. O três músicos são mestres nesta arte, criando um jazz vibrante, pulsante e uma música improvisada singular. Tem amplo espectro de nuances, passando de procedimentos reconhecidos, indo aos mais inusitados e surpreendentes, com Hertenstein a ampliar as possibilidades do trio, adicionando instrumentos de percussão incomuns. A pena de Hertenstein e Heberer desencadeia no grupo a improvisação de uma forma única, permitindo que o trio renove, sistematicamente a interação entre composição e intuição. HNH toca de tal maneira que, às vezes, não pode distinguir um do outro, a composição do improviso.
Double-Basse “This is Not Art” / Jean-Luc Petit (clarinete contrabaixo); Benjamin Duboc (contrabaixo). “This is not art” é o começo gravado de uma segunda vida para o duo Benjamin Duboc e Jean-Luc Petit justificando, finalmente, o nome do projeto. Antes se dedicar ao clarinete contrabaixo, Petit tocou saxofones tenor e barítono e “Double-Basse” não era bem o que anunciava. Agora, o contrabaixo de Duboc um par mais certeiro. Devido à proximidade tímbrica dos dois instrumentos, momentos distintos acontecem em termos de dinâmica e harmonia, resultando numa proposta bem original na música criativa nestes últimos anos. Duboc tornou-se um baixista de topo, tocando com muitos dos melhores de Sunny Murray, Henry Grimes, Roy Campbell e Joelle Léandre até Jean-Luc Guionnet, Oliver Lake, Jean-Luc Cappozzo e Tom Chant. Petit pode não ter a mesma projeção, mas sua visibilidade está a crescer rapidamente, principalmente porque ninguém é supera e domina os baixos no clarinete, como Petit. Ele faz o impossível, indo mesmo além do mero virtuosismo técnico. O resultado é um som pesado, com textura, denso, mas, ao mesmo tempo, delicada e detalhado.
Sousa/Berthling/Ferrandini “Casa Futuro” / Com Pedro Sousa (saxofone tenor e baritone); Johan Berthling (contrabaixo); Gabriel Ferrandini (bateria). Depois de tocarem e gravarem com Thurston Moore, ex-guitarrista do Sonic Youth – que gosta, por vezes, de sair do rock para viajar para um jam e experimentar novos sons – os improvisadores portugueses Pedro Sousa (Eitr, Pão, Canzana) e Gabriel Ferrandini (Red Trio, Rodrigo Amado Movimento Trio) aparecem na “Casa Futuro” com outro gigante da música criativa: o sueco Johan Berthling (Tape, Mats Gustafsson Fire! Trio trio e Fire! Orchestra, entre outras renomadas parcerias). Se na ex-colaboração ouvimos uma música mais ruidosa (bom sentido), aqui encontramos Sousa e Ferrandini num território post-free jazz, com um trio sólido, energético e inquieto, numa permanente metamorfose. Em cada momento sentimos que há um caminho e não existe a possibilidade de desvios, mesmo que os três músicos não saibam qual será o seu destino. No final, entenderá a verdade do importante não ser a chegada, mas a viagem em si.
E assim, ontem e hoje, se apresentaram dez novos álbuns editados pela Clean Feed para delícia dos amantes do estilo. A descobrir, sons jazz. •
+ Clean Feed
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