“Luys i Luso” / Tigran Hamasyan

O renomado pianista arménio, radicado em Los Angeles, Tigran Hamasyan – vencedor do Thelonious Monk Prize – lança o seu primeiro álbum pela ECM Records num trabalho a solo no piano, acompanhado pelo Yerevan State Chamber Choir, reflexo de um trabalho de estudo profundo da música sacra arménia.

Neste álbum, Hamasyan agarra em hinos de música sacra arménia, sharakans e cantos que nos conduzem numa viagem do século V até ao século XX, com novos arranjos criados para o Coro e que permitem a Hamasyan deixar o improviso ter espaço para existir. Um álbum onde Hamasyan sentiu que “A uma dada altura pensei em fazer um álbum dedicado a Mesrop Mashtots, um Santo, compositor e linguista do século V. Mas o evoluir do trabalho levou-me a pensar mais longe sobre isto e decidi que o álbum devia ter um repertório misto. Assim, temos Mashtots junto com Nerses Shnorhali, Grigor Narekatsi, Grigor Pahlavuni, Mkhitar Ayrivanetsi e Komitas.

Tigran Hamasyan é o jazz levado muito além jazz, é um músico com qualidades superlativas que nesta viagem mergulha bem fundo nas suas raízes arménias e dá a todo um universo sacro uma nova e surpreendente leitura que nos prende da primeira à última nota tocada, entoada, cantada. Dá-nos nova música sacra antiga, uma nova luminosidade musical, ou não fosse o nome do álbum em português “Luz da Luz”. Sem tecnicismos ou análises desnecessárias ao sentir da música, este é um álbum com uma quietude extraordinariamente cativante com melodias onde um piano improvisa enquanto um canto se faz ouvir em sonoridades (re)arranjadas. “Melodias incrivelmente belas… Com o passar dos anos, a ideia de criar um álbum com música sacra arménia ganhava forma e força na minha cabeça. Há dois anos e meio, aproximadamente, comecei a trabalhar nos primeiros arranjos.” Ainda viajando nas palavras de Hamasyan, “No seu ponto mais alto, toda a gente estava a cantar diferentemente. Há muitos espaços livres, na música, para a interpretação. Na verdade, Nerses Shnorhali escreveu sobre isto no século XII. Cartas eram trocadas entre o Governo Bizantino e Patriarcado religioso, falando sobre o elevado nível da música sacra bizantina e arménia, comparando as diferentes escolas. E Shnorhali escreveu que os cantores podiam, por vezes, improvisar, baseando-se no modo e onde eles estavam a interpretar a melodia. Isto é fenomenal – é evidência que a música tinha improvisação em si mesma. E, para mim, é um estimulo direto para o improviso na interpretação.

Ainda numa nota atrás, catalogar este trabalho como sacro, será pela elevação que é dada à interpretação, ao arranjo, à música, à voz e, claro, pela base que está no estudo único de Hamasyan. Todavia, limitativo. Se dissermos que é jazz contemporâneo com improviso, será pelo génio demonstrado ao piano, pela formação de Hamasyan. Porém, redutor. Aqui, é sair de zonas de conforto e abrir o ouvido sem querer fazer comparações, é música erudita na verdadeira essência da palavra – música de profundos e vastos conhecimentos, que soube ir às raízes e ser contemporânea também. “Quando pensei na colaboração com o coro estava, originalmente, a procurar cantores que não tivessem um treino clássico do conservatório e queria, particularmente, evitar vozes operáticas. É realmente difícil encontrar cantores que interpretem com naturalidade, sem vibrato. Ao mesmo tempo, precisava de cantores disciplinados (…).” Hamasyan precisava, assim e também, de vozes que atingissem a complexidade exigida a notas quase inatingíveis, que agarrassem um grau correto de interpretação plena. E é este equilíbrio entre disciplina e liberdade que se sente aqui, neste trabalho. “Era um grande desafio e os arranjos foram mudando e sendo revistos durante o processo de aprendizagem e experimentação de todo este material. Trabalhar com os ritmos foi complicado para o coro. Por exemplo, em ‘Ov Zarmanali’ (escrita por Grigor Pahlavuni) eles estavam a cantar notas (acordes) 13/16 e eu a improvisar paralelamente – não só eles tinham de manter a métrica e serem muito precisos, mas tinham de acompanhar um solista, com tudo o que vai acontecendo nos meus solos, bem como toda a modulação métrica. É muito estimulante.” Sim, erudito até na construção no e do pensar.

Um pianista jazz, de referência, que traz um novo significado ao mundo litúrgico, ele que improvisa à volta de temas e que dá o mote a outros. “‘Luys i Luso’ é, para mim, um mundo musical onde a tradição da música sacra arménia, a composição clássica contemporânea e o improviso se encontram.” Um trabalho que encerra várias ideias e estilos, onde todos se sentem e têm o seu espaço.

Concertos de “Luys i Luso” tiveram início em março deste ano, como parte de uma tour de 60 dias por igrejas na Geórgia, Turquia, Líbano, França, Bélgica, Suíça, República Checa, Alemanha, Luxemburgo, Rússia e os Estados Unidos da América. Tigran e oito membros do Yerevan State Chamber Choir irá realizar três concertos, brevemente, em Inglaterra e Irlanda, nos seguintes locais: Union Chapel, Islington, Londres (15 de outubro); Howard Assembly Room, Leeds (16 de outubro) e Catedral de Christchurch, Dublin (17 de outubro).

O álbum foi gravado na capital Arménia, Yerevan no Argo Studio, em outubro de 2014 e produzido por Manfred Eicher, ECM Records. A descobrir, a ouvir. A ver e ler, pois a qualidade gráfica da edição física também tem o seu espaço. Um trabalho superior num universo musical erudito que merece a sua atenção. •

+ Tigran Hamasyan
© Fotografia: Sara Quaresma Capitão.

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