Entre os dias 31 de Outubro e 29 de Novembro de 2015 pode, em Coimbra, inserir-se e deixar-se atravessar pela energia da primeira edição da Bienal de Arte Contemporânea. Serão ocupados 24 espaços, sensivelmente, numa trama coesa com a cidade.
Numa iniciativa do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, e em articulação com a Câmara Municipal desta cidade, bem como com a Universidade, lançam-se os dados a 31 de Outubro de uma bienal de arte que contemporânea que, embora circunscreva a sua intensidade temporal até ao dia 29 de Novembro, se afigura essencialmente semente.
Falámos com Carlos Antunes, director do CAPC, que nos elucidou acerca deste intento.
• 1º. O CAPC, fundado em 1958 por um grupo de estudantes da academia de Coimbra, dos quais se destacariam Rui Emídio Vilar e Mário Silva, delineou-se lugar de ensino artístico numa cidade em que a arte, numa perspectiva mais inquietadora, não se houvera ainda inscrito. No ano de 1970, ressalta-se João Dixo, artista de boa memória, que seria responsável pela captação de Alberto Carneiro e Ângelo de Sousa, par vindo de Londres e que encontrou, nesta instituição, a forma ideal para diversas experiências. Daqui até à frase de Ernesto de Sousa, galvanizador energético, iria um passo: “a vanguarda está em Coimbra, a vanguarda está em ti.” Portanto, a vocação do CAPC sempre foi, nos seus fundamentos, a de proporcionar um exercício radical da prática artística.
• 2º. A Universidade de Coimbra, nos idos anos cinquenta e sessenta do século XX, conheceu mutações significativas, que oscilaram entre o progresso e a reacção. Não se esqueça a progressiva feminização da população estudantil, a crise académica de 69 e a dura carga policial encomendada, então, pelas entidades governamentais. Hoje, a academia aproximou-se do CAPC, como frisa o seu reitor, quando afinal o CAPC, durante a sua permanência, sempre procurou abrir brechas na academia.
• 3º. Coimbra foi recentemente classificada como património da humanidade, concretamente, a Universidade, a Alta e a Sofia. O que, por si, é um facto assinalável. Mas, como alerta Carlos Antunes, a questão passará por “usar os espaços de forma culta” e vivê-los com o desassombro que não se circunscreva ao coloquial, mas que também não os transforme em sarcófagos, diríamos nós.
É nesta temperatura que surge Anozero, num lance de dados consonante com Mallarmé – nada está adquirido, a efemeridade desassossega. A designação manter-se-á nas próximas recorrências, numa alusão a um tempo espiralado que se afigura metáfora da inquietação, algo semelhante a “uma máquina que ruge” beckettiana, como frisa Carlos Antunes. Com efeito, não raro se associa o património a uma cristalização epocal; dialecticamente, a bienal pretende inscrever-se num movimento de fluidez, osmoticamente penetrada pela questionação proporcionada pela arte contemporânea. Assim, perfila-se um efeito disruptivo: a contemporaneidade a abrir brechas no tempo, aqui confundido com os vários locais históricos onde se instalarão as obras de arte. Questionamos: as estrelas de Walter Benjamin ou os buracos estelares no céu da noite dos tempos de que nos fala Giorgio Agamben?
Enumeram-se vários locais onde a bienal se deterá: instalações do CAPC, Jardim e Museu Botânico, Colégio das Artes, Museu Nacional de Machado de Castro, Biblioteca Joanina e Biblioteca Geral, Casa da Escrita, Colégio da Graça, Mosteiro de Santa Clara-a-Nova… A lista de artistas é longa e estimulante.
Paralelamente, decorre um projecto educativo que visa destrinçar os caminhos flutuantes e pairantes da arte contemporânea, num intuito de aproximar o público em geral das suas interrogações e perplexidades inerentes. Todavia, como frisa Carlos Antunes, existirão certamente diversos níveis de “leitura” e, parafraseando Luís Quintais, como faz, “o que nós queremos é mudar o mundo à distância do nosso braço estendido”. Afinal, já não dizia Gilles Deleuze que não se ensina, aprende-se? Portanto, trata-se de manter a porosidade devida. E de não faltar à festa de abertura que decorrerá no dia 31 de Outubro, pelas 22h: no Colégio das Artes.
+ Anozero: Bienal de Arte Contemporânea de Coimbra
© Fotografia de destaque: CAPC
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