Patente na galeria de exposições temporárias do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, a proposta de Mide Plácido inaugurou no dia 13 de Maio e permanecerá até 12 de Junho. Deixámo-nos enredar na sua fina trama.
Uma sala branca, com duas janelas largas que se confrontam: restam duas paredes largas, para os despojos que nos são propostos por Mide Plácido, em forma de contraponto.
“O que é ser mulher hoje dia?” questiona-se a artista, e questiona-nos também. Segundo Simone de Beauvoir, aquando de O Segundo Sexo, obra de meados do século XX, uma mulher define-se, à partida, exactamente por sê-lo; que um homem inicie por afirmar ser homem, será excrescente. Portanto, tal indagação parece apontar para uma elipse que enreda, e sobrevive civilizacionalmente. A partir de tal perplexidade pode iniciar a viagem.
E a onde nos leva? Segundo a Mide Plácido, a uma dupla crucificação; assim, o do fragmento do vivido e a da representação de si. Começamos por esta. Uma instalação parietal composta essencialmente por fotografias de uma mulher da qual nunca se conhece o rosto; o único rosto a incorporar-se será o do/a espectador/a, através de um espelho centralmente disposto e em que se lê: “Eu estou aqui”, numa espécie de voragem vertiginosa. Buraco negro, ainda que aponte para o exterior, o espelho tanto fotografa momentaneamente, como incorpora a identidade de quem espreita, como difere, temporalmente, a obra. Alude-se, entretanto, à celebrada Intuition feminina, como se de uma ara se tratasse; o perfume da dúvida. Pelo caminho podem ainda ler-se, em molduras vazias de fotografia, “pecado”, “dona”, “preconceitos do avesso” e uma reflexão de Arnaldo Antunes e Gilberto Gil quanto às coisas que “não têm paz”. Na cabeça da mulher, e em lugar do rosto, a deflagração das coisas, que “não têm paz”.
Já na parede do lado oposto, o fragmento do vivido, localizando, de forma precisa, o olhar, a segunda pele, a educação sentimental e a tentação. Assim, de como reverberamos a visão através de lentes secundárias; de como a experiência se cola à pele e encorpa; de como, em ocasião de alva brancura, as mulheres se instruem; por fim, ou do início, o conhecimento enquanto possibilidade.
O contraponto repete-se a seguir, com uma pequena estatueta de Nossa Senhora a confrontar a fotografia de uma mulher, ou de um homem, coberto por uma colcha de renda. Mide Plácido, assim, e como se propõe, reflecte sobre o que é ser mulher; aqui, neste tempo, e no outro, o da construção do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha. Convém aqui relembrar que este mosteiro foi durante largo tempo ameaçado pelos Crúzios, que obstavam à sua edificação; esta obteve da Rainha Santa Isabel impulso decisivo. Viúva de D. Dinis, Isabel de Aragão haveria de fixar residência nos Paços de Santa Clara, cujo mosteiro se tornou então palco de uma comunidade de clarissas; embora nunca tenha professado, Isabel usou o hábito e adoptou a frugalidade dos seus princípios orientadores de vida.
O que mudou? Descubra as diferenças.
Para ver no Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, em Coimbra, na Rua das Parreiras, entre as 10h00 e as 19h00. Até ao dia 12 de Junho, relembramos!
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