Até ao dia 3 de Março de 2017, e no sintomático e recatado Quarto 22 do Colégio das Artes, em Coimbra, aceda e permita ao olhar a instigante proposta do artista Baltazar Torres, cujo título replica o lugar: Route 22 Uma Viagem Imaginária.
O Quarto 22 do Colégio das Artes possui características físicas peculiares, e de fina identidade, cujo propósito, segundo a nossa perspectiva, aqui gostaríamos de assinalar. Trata-se de um espaço circular, definido por uma cortina plissada de cor branca, cujo impacto nos parece remeter para o ambiente hospitalar. Se a cor branca aviva o sentido do white cube, tão sintomático da envolvência que se pretende identitária quanto ao sentido da arte contemporânea; já a disposição sugere-nos uma imersão na experiência, ou, a propósito do ambiente hospitalar antes aludido, uma espécie de visita a uma pessoa doente, e querida. Foi com esta impressão que superámos o degrau a separar o exterior, do interior do Quarto 22.
Uma vez lá dentro, encontramo-nos em face da proposta de Baltazar Torres, artista nascido em Figueira de Castelo Rodrigo, no ano de 1961, e que trabalha usualmente no Porto, pelo que apurámos. O seu percurso artístico desdobra-se entre o nosso país e múltiplas exposições fora dele, encontrando-se representado em diversas colecções de arte, que aqui assinalamos: CAM; Fundação Ilídio Pinho; Fundação Culturgest; Fondation Pilar i Joan Miró; Fondation Claudine et Jean-Marc Salomon: CAC Málaga; CGAC, Santiago de Compostela; Museu de Bellas Artes de Santander; Fundação PLMJ; ES BALUARD, Museu d’Art Modern I contemporani de Palma; CAPC; IVAM, Valencia; Oberösterreichisches Landesmuseum; Fundación ARS TEOR/etica; Colecção Nesrin Esirtgen.
Assim, 22 placas rectangulares, com as mesmas dimensões e dispostas verticalmente, enunciam um percurso que se mostrou irresistível; começámos pelo lado esquerdo em relação à entrada. Enunciemos os elementos: espelho, medidores geométricos, paisagens, saquinhos, fivela, muros. Tentemos percorrer agora o seu sentido. Contrasta-se o rosto e o universo, o pequeno e o grande; entre a identidade que fivelas fixam tão drasticamente, como se nos prendessem o corpo, e o desejo de medir e mapear o infinito, o humano parece esquecer a Terra. Não nos diz Michel Serres precisamente o mesmo? O Metro é a Terra.
A partir daqui pressentimos enunciar-se uma paisagem nitidamente diurna, ainda que a sua tonalidade permaneça cinza, e se sobreponha de preto. Portanto, alterna-se o dia e a noite, num fundo primordial, que, se começa por ser uma totalidade, entretanto se estilhaça em fragmentos, enunciados numa collage. E por aqui surge a cor, em duas diferentes paisagens, dispostas, primeiro na vertical, e depois na horizontal; se a primeira mantém a linha que mede, já a segunda, além do medidor, acrescenta um saquinho azul à composição, que se prende com uma fivela. Entretanto, repete-se a seguir o motivo anterior, mas agora com a disposição de um saquinho branco. Alusão à forma como se prendem a terra e o mar nas paisagens que a pintura constantemente persegue, e por tal tenta estabilizar? Numa pureza decantada?
Deste momento em diante, as placas são progressivamente divididas, inicialmente em nove rectângulos rigorosamente iguais, depois em composição que poderíamos qualificar de abstracta e, finalmente, em oito variações, apresentam-se muros brancos rugosos. Questiono: entre o infinitamente pequeno, pontículo identitário, e o incomensurável; resta-nos construir? E…construir muros impenetráveis? Esquecer a Terra? Já John Berger, no seu percurso de escrita e pensamento realmente singular, e que amou com paciência e laboriosa dedicação a arte, as pessoas, os animais, a terra, alerta: será possível recuperar a morada-lar num mundo que se traça contemporaneamente a partir da Lua? Berger escreveu Bolsões de Resistência, e por aí revela-nos porosidades preciosas; Baltazar Torres parece alertar-nos do mesmo modo.
Para ver no Colégio das Artes da Universidade de Coimbra, Largo D. Dinis, de 2ª a 6ª feira, e entre as 14:00 e as 18:00. Até ao dia 3 de Março. Visite!