“…até parece não ser nada…” para José Fonte. E para nós?

No Museu PO.RO.S – Portugal Romano em Sicó, em Condeixa-a-Nova, concretamente na Sala de Exposições Temporárias, inaugurou a 17 de Julho uma exposição vibrante de José Fonte e “…até parece não ser nada…” Permanece até dia 31 de Agosto.

José Fonte fez a sua formação artística de base na ARCA-EUAC, extinta escola de artes de Coimbra que, sem sombra da mínima dúvida, deixou Escola e marcou indelevelmente quem por lá passou: é na Pintura, parece-me, que mais se observa o selo inconfundível. Atenção: não afirmo que existe um denominador imagético comum a todo/as o/as artistas, no sentido em que pintem igual; é precisamente o contrário. Cada um/a desenvolveu um universo expressivo autónomo, mas em que se detecta a técnica irrepreensível e, já agora, uma sensualidade inerente ao ofício. Atenção: não quero com tal dizer que se pintam temas sensuais, mas que estas pessoas pintam sem crime, nem castigo, porque não poderiam fazer outra coisa, porque sim. 

Relativamente a “…até parece não ser nada…”, gostaria de destacar o sentido exímio da composição: existe um ponto imaginário nos quadros, que é também o umbigo propriamente dito de onde brota, ou onde se forja, a percepção do artista; esse ponto imaginário é o responsável pela gravitação de todos os elementos que concorrem para a estruturação destes trabalhos. Assim, tons, letras, números, signos, traços, casas, barcos, ruas…tudo está como que relacionado com esse ponto, como se fosse um senhor a segurar um punhado de balões, que vibram no ar. Se os balões se soltarem, e aqui isso acontece, tudo vem de repente enlear-nos, pois, tal como José Gil precisamente assevera em Poderes da Pintura, não existe nesta bidimensionalidade. 

Gostaria igualmente de vos chamar a atenção para a espessura “invertida” que se detecta em “…até parece não ser nada…”: se observarem com atenção vão sentir que, ao caminharem em direcção aos quadros, estes já avançaram imaginariamente, e de forma efectiva, até vós. Ou seja, existe uma profundidade proporcionada pelas sucessivas camadas, sem opacidade: é como se os elementos acima enunciados estabelecessem diversos graus de passagem, sucessivos e penetrantes. A esta profundidade, ou espaço utópico, chamo CASA. Entretanto, e tal é sobretudo observável nas obras de dimensão média, existe um marcador central que pode, formalmente, aproximar-se da ampulheta, de uma seta ou de uma Letra e que tanto se evade como ancora o olhar, exibindo o corrupio do senhor a segurar um punhado de balões.

Em “…até parece não ser nada…”, ocasião em que José Fonte mostra a recém produção pictórica, diria que o pintor colidiu com uma obsessão, martirizando-a e testando-a até ao último grau, ou gota. O resultado que está à vista, por contraponto, é de uma leveza inequívoca. Realço que, sendo uma pintura de madureza absoluta, também revela a infância dos olhos.

PO.RO.S – Museu Portugal Romano em Sicó

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