Neste sábado, dia 14 de setembro – mês em que o Centro Cultural Vila Flor (CCVF) comemora 14 anos de existência recheados de programação regular e eclética –, a Companhia Nacional de Bailado (CNB) toma o palco do Grande Auditório do CCVF com um programa duplo para uma só noite: duas peças recém-estreadas de Rui Lopes Graça e Victor Hugo Pontes, criadas para o elenco da CNB.
“Annette, Adele, e Lee” é o título da nova criação do coreógrafo Rui Lopes Graça com o artista plástico João Penalva para a Companhia Nacional de Bailado. Os três nomes próprios que constituem o título poderão sugerir um triângulo amoroso, mas este não é um bailado narrativo. São, na verdade, os nomes dos três bailarinos de sapateado (invisíveis) que, contratados para dançar num estúdio de gravação de som, deram origem ao material com que David Cunningham compôs a paisagem sonora para este bailado.
Nesta criação, Lopes Graça e Penalva afastam-se da ideia de dança narrativa, começando o processo baseado na ideia de percussão feita por bailarinos: “Criou-se uma situação em que os bailarinos foram gravados com dois microfones nos pés e dois mais altos, a partir de uma playlist feita por nós”, explica João Penalva em entrevista. Mas isso é apenas o som que inspira os bailarinos clássicos a cumprir a sua linguagem, a coreografia de Lopes Graça. “O mais interessante é a ideia de que os bailarinos que se veem não se ouvem, e os bailarinos que se ouvem não se veem, essa ideia interessou-nos, de algo que é invisível, os bailarinos que dão nome à peça são nomes que não têm corpo, têm que ser imaginados”, conclui Penalva. Obrigatório ir assistir.
Os bailarinos que vê, de formação clássica, dançam ao som dos seus colegas do sapateado. Quanto a esses, os que não vê, poderá apenas imaginá-los e perguntar como serão. No entanto, os trinta minutos de grande complexidade de padrões sonoros e coreográficos — em que a presença dos três bailarinos é contínua — tornarão memoráveis os seus nomes. O corpo de bailarinos deste espetáculo é composto por Andreia Mota, Anyah Siddall, Dylan Waddell, Francisco Sebastião, Inês Moura, João Pedro Costa, Leonor de Jesus, Miguel Esteves, Raquel Fidalgo, Tatiana Grenkova e Tiago Coelho, embalados pelo som de David Cunningham. Dito tudo isto, poder-se-ia dizer que “Annette, Adele, e Lee” é, afinal, uma história de bailarinos.
Com o avançar da noite, a “Madrugada” eleva-se no palco do CCVF com a mais recente criação de Victor Hugo Pontes, com assistência de Vera Santos e música original de Rui Lima e Sérgio Martins. “A hora do dia – da noite? – em que a máquina do tempo parece mais perfeitamente equilibrada é também a hora mais excessiva. Lusco-fusco, exaustão do corpo, fim de festa, regresso à luz. Dançar a noite toda. No fim o corpo já não pensa, só reage. Todos juntos no escuro: a música, os olhos, as histórias, os tropeções, o corpo suado. Todos consigo mesmos: os olhos fechados, ver muito para dentro, por dentro, o corpo frenético“.
“A noite é de todos, mas a dança é cada vez mais íntima, sozinha. À volta, tudo parece desfocado, tudo parece possível. Sair do próprio corpo, como se os pés deixassem de tocar no chão. Um transe, a máquina do tempo engasga-se. O lugar é difuso, fica algures entre o céu e a terra. «Um leve tremor precede a madrugada»: a hora excessiva acaba depressa, chega o dia, ilumina-se o palco, a ilusão esfuma-se, como se tudo pudesse não ter sido. Por cada madrugada límpida há uma madrugada onde cabe quase todo o escuro das noites em que não se sabe nada do que aconteceu“.
Aeden Pittendreigh, África Sobrino, Almudena Maldonado, Francisco Couto, Gonçalo Andrade, Henriett Ventura, Inês Ferrer, Lourenço Ferreira, Michelle Luterbach, Miguel Ramalho, Nuno Tauber, Paulina Santos e Ricardo Limão interpretam esta “Madrugada” e participaram no seu desenvolvimento. Victor Hugo Pontes quis fazer um espetáculo para estes 13 bailarinos, que por norma dançam repertório, “coisas que muitas vezes não são feitas para eles”. “Quis fazer uma peça especificamente para eles e a partir deles. Eles dançam para os outros, ou com os espelhos e a olhar muito para fora, e eu queria o oposto: dança como se ninguém estivesse a ver, fecha os olhos e dança”. Madrugada dá-lhe 13 percursos interrompidos por interações com os outros, seduções temporárias, curtas coreografias nascidas da espontaneidade.
A tomar nota. A ir, pelas 21h30, no Centro Cultural Vila Flor, para uma noite certamente inesquecível. •