2020. Bienal de Mujeres en las Artes Visuales: “La Bienal de Mujeres en las Artes visuales produce y reúne iniciativas que visibilizam el talento de las mujeres y que tienen el género como eje de reflexión, debate y creación”. Disse-se e, agora, veja-se.
É a terceira edição, remetendo-se as anteriores a 2016 e a 2018. A organização pertence a MAV – Mujeres en las Artes Visuales, associação constituída a 9 de Maio de 2009 e que desenvolveu várias acções em que se conta, também, o Festival Miradas de Mujeres, organizado entre 2012 e 2014. A bienal assenta em três valores essenciais: sororidade, reciprocidade, cidadania. Os objectivos são essencialmente seis: assegurar a diversidade de género; destacar a igualdade na educação e na cultura; reforçar laços com instituições, associações ou colectivos sociais que incorporam os critérios da igualdade; demonstrar que trabalhando em rede se promove melhor visibilidade e se investem as acções de afectividade, em perspectiva da sororidade e da reciprocidade; consolidar a associação MAV como foro de reflexão e pensamento em torno do feminismo, do género e das artes visuais; promover a acção e os trabalhos das associadas.
A programação comporta, tanto projectos seleccionados a partir de convocatória a artistas, comissárias, investigadoras e colectivos que reúnam pelo menos 60% de mulheres, como as propostas que resultam de convite aberto endereçado a museus, centros de arte, fundações, universidades, galerias, espaços educativos e culturais, e que possam dar visibilidade às mulheres nas artes visuais a partir de uma perspectiva feminista. Esta perspectiva significa que as suas actividades abordam conteúdos comprometidos com o contexto social e com boas práticas, remetendo-se o eixo de debate e de reflexão ao género.
Julgo que vale a pena fazer aqui uma reflexão, já que as bienais integralmente no feminino e ancoradas numa perspectiva de género se inscrevem num plano imanente contemporâneo. Quando a República enxameou o mundo de cidadãos fê-lo de fraque e cartola, separou homem – público e mulher – privado; o próprio “homem” foi peneirado, restando, para se sobrepor, o burguês altivo. A história complica-se, pois alastrava a indústria, crescia a cidade, cintilava o campo, e suspiravam os românticos. Assim, a par do soturno burguês e da aprisionada mulher, eis que, tanto para baixo, como para cima, se perfilava, tanto um caudal subterrâneo, como uma coroa de anjos: para baixo, operários, crianças, lavadeiras, prostitutas; para cima, camponesas e figuras femininas transparentes até aos ossos. Exactamente no mesmo momento histórico, e em face da ostracização política das mulheres, eis que brotam os movimentos de clamação de direitos, a exigência de voto, a vontade de educação, mais tarde a emancipação de costumes e o direito ao trabalho. Mas, a bem da verdade, na rua já se encontravam as lavadeiras, as prostitutas e as camponesas; ora, creio que são, por um lado, a aprisionada mulher da burguesia – a vítima, por outro, as figuras femininas transparentes até aos ossos dos românticos – o mito, aquelas que o feminismo tenta reabilitar e desconstruir.
Não será, entretanto, de descurar, a forma como se degradam socialmente espaços de luta ou de simbolismo colectiva/o quando se verifica a sua ocupação massiva por mulheres: o do trabalho viu os direitos serem fragilizados, o das universidades viu o conhecimento ser desvalorizado, o da arte viu a capacidade de reinvenção e de arrojo minguadas. É certo que estas questões são perpassadas por operadores complexos e mais vastos, mas não devíamos interrogar-nos todo/as acerca de tal acuidade temporal? Aqui entronca aquela outra questão: a do talento e a correlativa, do mérito.
Bom, verdade, verdade, é a de que as mulheres estão aqui, agora, e a de que os homens reagem. Tendo em conta a vítima e o mito, sua reabilitação e desconstrução correspondentes, insiste-se na igualdade, sim, mas avulta também a diferença, pela insistência na capacidade mágica e evocativa, ancestral, das mulheres. Os perigos, se não persistir uma calibração de igualdade/diferença, estão em reproduzir os jogos de poder, por inversão, ou em fazer agitar demasiado os espíritos masculinos, reproduzindo fantasmas. Nestes termos, e nestes tempos, a caça às bruxas já se provou que dá para os dois lados!
Disse-se e, agora, veja-se.
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