Cruzeiro Seixas e um “Sem título”, de 1974

“Homem que pinta”, é como Cruzeiro Seixas prefere chamar-se, obstando à categoria de “artista”, seja surrealista, ou não, seja pintor de pintura, ou da realidade, também, ou sobretudo, transfigurada.

Muito se diz, podia e poderia dizer, -se, poderia fazer, -se, sobre o surrealismo, ou não. Cruzeiro Seixas nasceu no ano de 1920, na Amadora: conta, portanto, oh lá, quase 100 anos, a cumprir em Dezembro. Mas o surrealismo não é de grandes homens, diga, -se. O surrealismo é de tetas e de cus, de vulvas, vaginas, de pénis, escrotos, de prepúcios e de asas nisto tudo: nunca, provavelmente, antes ou depois, se quis tanto pintar, ou esculpir, ou escrever, dar a ver, em todo o caso, anjos no meio do estômago e das entranhas. Sim, rapazes e raparigas, o surrealismo é de juntar as “tretas” todas numa simples palavra: AMOR.

Oh pá, que a publicidade tenha depois vindo com as garras e arrebanhado o imaginário surrealista; oh pá, que a palavra “surreal” tenha entrado nas juntas do quotidiano para dar conta de algo para lá do entendimento comum; oh pá, que René Magritte, por exemplo, depois de ter conseguido dedicar-se à sua metafísica tenha arrepiado caminho, por questões económicas, e sido obrigado a trabalhar na difusão auxiliada de produtos consumíveis, o que detestava; oh pá, são acidentes de percurso, não é? Mas a simples palavra – AMOR, está lá e só não a vê quem estiver de má-fé. 

Que eles e elas se tenham todo/as amado e penetrado, com a pele toda do corpo, a transpirar os delírios de uma visão sonâmbula, que até a dormir está a ver no escuro, ah, isso é um pormenor picante que atiça a nossa curiosidade: a par, a trio, a quarteto, tocaram, e tocarão, às portas do céu e nos portões do inferno, mas sempre com uma lagosta a sair da garganta, uma pomba pousada nos testículos, um arpão no coração e um menino a afagar um caracol, suspenso d/na menina dos olhos. Que venha André Breton fazer deste desregramento um movimento, com entradas, cartões amarelos e vermelhos, expulsões e tronos de fogo, altares às Nadjas desta vida, e da outra, bom, são efeitos co-laterais, não é?

Em Vila Nova de Famalicão, onde se encontra a Fundação Cupertino de Miranda, que alberga o Centro de Estudos do Surrealismo, também se encontra Cruzeiro Seixas, mais, então, o que doou àquela, da sua obra, que é, assim, mais ou menos quase tudo, espólio e colecção de arte. “Sem título” “é” uma mulher a triturar, um homem com asas no prato e um falo travestido de pássaro a rezar. Concordam? Vamos fazer um concurso e premiar a melhor interpretação? Juntamo-nos, entretanto, invocamos Sigmund Freud para uma sessão grupal – oh pá, nada de psicanalista individual, porque o surrealismo é nu, e mostrou-se na aflição em todo o seu esplendor. Por tal, nada de nos atrapalharmos: isto é para fazer em grupo, e aí, na rua, com microfone potente, e portento, portanto, nada de arrepiar caminho, rapazes e raparigas. 

O surrealismo quis juntar as “tretas” todas numa palavra: AMOR. Quis correr mais depressa do que uma gazela ou do que o raio de uma chita, chi…u, disse: às palermices burguesas. Quem diz hoje chi…u às palermices, sejam elas quais forem? 

Por favor, sirva-me um surrealista a frio.


© Imagem de entrada: Untitled (1974) de Artur Cruzeiro Seixas

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